quinta-feira, 6 de setembro de 2018

FAMÍLIAS DE TOXICODEPENDENTES: PERFIL OU REDUNDÂNCIAS?




Poder-se-á afirmar que as famílias com elemento(s) toxicodependente(s) apresentam características, dinâmicas e padrões de funcionamento diferentes de outras famílias?

Bergeret deu uma primeira resposta em 1990 referindo que “as investigações epidemiológicas levadas a cabo sobre as famílias dos toxicómanos, assim como os estudos conduzidos a partir das práticas psicoterapêuticas, mostram que não existe nenhum modelo específico de adolescente nem nenhum modelo de situação relacional familiar que possa ser definido como modelo próprio da toxicomania”

Efetivamente, toda a sistematização realizada neste domínio não nos autoriza a falar de um perfil do toxicodependente ou da sua família. Não podemos afirmar que existe uma personalidade ou uma estrutura psíquica específica e tipificada que leve indubitavelmente a comportamentos aditivos, pois qualquer estrutura psicológica pode dar origem a vários tipos de dependência.

Para Madalena Alarcão, “as regularidades encontradas não nos podem fazer esquecer que a capacidade auto-organizava do sistema familiar pode configurar diversamente, em cada sistema e em tempos diferentes do mesmo sistema, o feedback proveniente do seu interior ou do exterior é resultante das suas próprias características, das vulnerabilidades e dos fatores de risco a que pode estar sujeito”.

Numa posição mais reducionista, Duncan, Stanton et al, fazem uma revisão da literatura sobre o tema e concluem que a maior parte dos trabalhos sobre toxicodependência masculina referem a existência de famílias com características idênticas, bem como Bravo et al.

Apesar de partilharmos a ideia de que não há interações específicas nestas famílias, consideramos que é possível identificar um conjunto de redundâncias que em função das suas articulações e singularidades do sistema em análise, nos podem auxiliar na tentativa de compreensão, definindo pontos de intervenção terapêutica.
Sofia Almeida
06/09/2018



A FAMÍLIA NA COMPREENSÃO DA TOXICODEPENDÊNCIA




No início do estudo da toxicodependência e das preocupações com o tratamento dos toxicodependentes, a tónica era essencialmente posta no indivíduo, na sua dimensão intrapsíquica, sendo que as perspetivas biológicas e psicológicas ocupavam grande parte da literatura sobre o assunto. Contudo, temos vindo a assistir nas últimas décadas a análises do papel determinante do sistema familiar no desencadear e na manutenção dos comportamentos aditivos, estudando as relações que o indivíduo dependente mantém com as figuras significativas (particularmente com os pais e com os pares) ”.

Com efeito, em alguns trabalhos de revisão da literatura realizados nas últimas décadas, nomeadamente Harbin e Maziar, afirma-se mesmo que são os fatores familiares os que desempenham o papel primordial na génese e desenvolvimento da toxicodependência. Ganger e Shugart consideram a toxicodependência como uma doença familiogénica que não pode ser estudada fora do contexto da unidade familiar. Também para Stanton as variáveis familiares desempenham um papel predominante na sintomatologia do toxicodependente.

Para a compreensão da importância da família na compreensão teórica e terapêutica da toxicodependência, muito contribuiu a conceptualização do conceito “sistema” baseada nas Teorias Cibernéticas e na Teoria Geral dos Sistemas que se estabeleceu a partir dos anos sessenta do século passado e que possibilitou observar e entender os fenómenos familiares e a toxicodependência sob uma nova perspetiva: uma compreensão sistémica das famílias com Paciente Identificado toxicodependente.

Tendo por base o paradigma sistémico desenvolveu-se e aperfeiçoou-se um conjunto de práticas terapêuticas designadas de Terapias Familiares, que se têm revelado de grande utilidade no âmbito da intervenção em comportamentos aditivos e dependências, alargando o leque de recursos terapêuticos e o campo de conhecimentos teóricos.
Sofia Almeida
06/09/2018

sexta-feira, 31 de agosto de 2018

REGULAÇÃO ESPACIAL EM FAMÍLIAS COM TOXICODEPENDENTES




Friedman, Utada e Morrissey, analisaram 96 famílias de toxicodependentes, utilizando o Modelo Circumplexo de Olson, e concluíram que a maior parte se tratava de famílias dispersas, o que na classificação proposta por Minuchin significa que o grau de autonomia individual é elevado e cada membro é pouco valorizado.

A família do toxicodependente facilmente se apresenta alargada, as separações são impossíveis, mesmo quando a ausência física dos seus elementos se verifica. Alguns membros parecem extremamente emaranhados, enquanto outros parecem desmembrados, sendo frequente a alternância de fases familiares que traduzem a mesma sensação (Relvas).

Para Sternschuss, Angel et al, “parece existir a necessidade de uma pessoa ausente / presente, para garantir a homeostasia do sistema, pois garante a coesão e apreensão dos retornos ou das partidas. Assim o sintoma da toxicodependência foi então escolhido porque respeita esta regra. O indivíduo fica ausente pelo consumo, apesar de estar presente no espaço físico familiar, mantendo a coesão familiar”.

Sofia Almeida
31/08/2018


PSICOPATOLOGIA NAS FAMÍLIAS DE TOXICODEPENDENTES




É frequente encontrar psicopatologia nestas famílias, mais propriamente patologias comportamentais, como o alcoolismo, o comportamento suicida ou outras desordens físicas ou mentais graves, que parecem estar presentes nestas famílias numa proporção superior à encontrada noutras famílias.

Segundo Sternschuss - Angel et al, os episódios psicopatológicos nos pais dos toxicodependentes atinge os 50%: depressão, tentativas de suicídio, alcoolismo, toxicodependência, sintomatologia neurótica, destacando-se as condutas suicidárias na família alargada e o abuso de psicotrópicos e condutas de automedicação pelos pais.

Na casuística de Sylvie e Pierre Angel, cerca de 50% das famílias tinham passado psiquiátrico. Este passado era mais no sentido da depressão e do suicídio, assim como da ingestão abusiva de psicotrópicos.

Se o pai ou a mãe consomem “drogas” é mais fácil surgir um consumo prematuro no adolescente com quem convivem e que, mal ou bem vão educando. Rosh, na sua investigação, concordante com a de Angel, e com a opinião dos terapeutas familiares, é a confirmação de que um número significativo de pais e mães de toxicómanos usam e abusam do álcool e dos psicotrópicos: 15% no caso dos pais / álcool e 29% no caso dos psicotrópicos / mães. Alguns dos toxicodependentes têm hábitos de consumo de sedativos desde a infância, naturalmente administrados pelos pais para acalmar sintomas de ansiedade.

No estudo CEPD Norte, as mães, 40,3% dos casos consideravam-se doentes e recorriam frequentemente aos serviços de saúde. Neste estudo, o autor também confirma o que na literatura é quase unânime: 36,6% dos pais apresentam hábitos alcoólicos e de consumo de psicotrópicos. As patologias comportamentais como o alcoolismo, o comportamento suicida ou outras desordens mentais ou físicas graves, parecem estar também presentes nestas famílias numa proporção superior à encontrada noutras famílias. Este tipo de comportamento pode estar presente na família de origem mas também na família alargada.

Kandel refere que há uma elevada proporção de pais toxicodependentes com problemas de álcool. Levanta-se aqui a hipótese eventual de estar o início do consumo de drogas associado aos hábitos de consumo de substâncias, nomeadamente álcool, ao nível da família e poderem estas conotarem um significado de prazer e de satisfação.

Sofia Almeida
31/08/2018

ACONTECIMENTOS TRAUMÁTICOS





Um dos aspetos que se têm vindo a evidenciar nas investigações científicas realizadas em famílias com um elemento toxicodependente, refere-se à existência de determinados acontecimentos traumáticos que estão presentes nestas famílias, nomeadamente lutos por resolver perante um membro da família perdido, seja por morte, separação ou outras perdas.

A perda de um dos progenitores por morte ou separação, é uma constatação frequente em diversas investigações (Amaral Dias; Coleman, Kaplan e Downing; Fleming; Harbin e Maziar; Stanton), assim como, a descoberta de carência de cuidados parentais muito precocemente (Harbin e Maziar) como consequência de morte ou separação física (Amaral Dias).

Manuela Fleming refere que a perda de um progenitor é um acontecimento traumático e devastador do ponto de vista do equilíbrio afetivo e emocional do ser humano, implicando disfuncionalidade no agregado familiar, carências afetivas dificilmente compensadas e ausência de modelos identificatórios, inscrevendo-se inevitavelmente esta situação num quadro de depressão, declarada ou oculta. O luto a acontecer seria reparador, mas é muitas vezes impossível por demasiado doloroso ou adiado. Segundo esta autora: “Frequentemente perdida no tempo, mas sempre atuante, a dor da perda pode então ser anestesiada ou aliviada e inevitavelmente mascarada pelo recurso à droga. A depressão que o próprio toxicodependente muitas vezes ignora ou esconde sob a aparência de uma falsa indiferença ou apatia emocional, dá então lugar ao diagnóstico de toxicodependência, culpabilizante para o próprio e para a família e fonte de estigma social.”

Fleming, Figueiredo et al, referem num estudo feito em jovens do ensino preparatório e secundário em Matosinhos, consumidores de drogas, mas não toxicodependentes, que a proporção de sujeitos que consomem droga é significativamente maior nas situações de ausência de um ou de ambos os progenitores por falecimento.
Também Rosch pôs em evidência uma distorção do anel familiar devido à separação dos pais. Segundo Amaral Dias, a distorção do anel familiar, pela morte de um dos seus elementos, parece ser decisiva quer no início quer no agravamento dos consumos.

Reilly afirma que os pais dos toxicodependentes sofreram, nas suas famílias de origem, importantes perdas emocionais por morte, divórcio, fuga, rejeição parental, negligência, hostilidade ou doença.

Este vivido do toxicodependente também se encontra frequentes vezes na história familiar da geração anterior, nas famílias de origem dos progenitores destes jovens. Os seus pais provavelmente também sofreram perdas emocionais profundas- perda física do pai ou da mãe  quer seja por morte, divórcio ou fuga), ou perda psicológica (rejeição parental, negligência, hostilidade, doença ou outra). Para além disso, os conflitos e os sentimentos associados a essas perdas nunca foram total ou adequadamente resolvidos, pelo que, por vezes as crianças destes indivíduos foram parentificadas, numa reitificação dos avós perdidos (Amaral Dias).

A estas perdas associam-se “dificuldades do exercício do papel parental por parte do progenitor sobrevivente, perturbação do processo identificatório, nomeadamente quando o sujeito é do mesmo sexo do progenitor “desaparecido”, perpetuação de um luto patológico, de dimensão individual ou até familiar” (Madalena Alarcão).

Angel e colaboradores referem ter observado uma nítida correlação entre a morte dos avós, a depressão dos pais e a toxicodependência dos jovens.

Observa-se com frequência o valor causal que o toxicodependente ou os seus familiares atribuem a este facto, de forma que por vezes bloqueia a capacidade de mobilização das potencialidades de mudança dos sistemas envolvidos.
           

Sofia Almeida
31/08/2018

quinta-feira, 30 de agosto de 2018

RIGIDEZ NOS PROCESSOS DE MUDANÇA EM FAMÍLIAS COM DEPENDÊNCIAS




 “A mente que se abre a uma nova ideia nunca retorna ao seu tamanho original.” No entanto, abrir a mente é um exercício complicado.”
Albert Einstein

As famílias devem organizar-se através de regras de funcionamento que não podem ser nem muito rígidas, nem muito flexíveis. Deverá haver um constante reajuste, no sentido de uma adaptação progressiva a novos fatores quer de ordem interna, quer de ordem externa à própria família.
A rigidez e a homeostasia são as principais características de grande parte destas famílias, sendo difícil a implementação de mudanças. Há falta de flexibilidade e incapacidade para lidar com o stresse, sobretudo durante as crises desenvolvimentais. Um toxicodependente é alguém que quer tudo e imediatamente. Quando o invade a angústia ou o desejo da droga, ele não sabe esperar.
Domingos Neto, defende que não faz sentido responsabilizar os pais por um fenómeno que assumiu proporções epidémicas e que acompanha as profundas transformações sociais dos últimos anos, nomeadamente mudanças profundas na estrutura da família. Na sua opinião, não há famílias nem educações ideais e em muitos aspetos, as famílias dos toxicómanos são superiormente dotadas, sendo que a queda de um dos seus filhos revela a conjugação de vários fatores.
Refere ainda que “muitas famílias são passíveis de mudança e temos maior sucesso no tratamento dos toxicómanos, quando as famílias são paralelamente acompanhadas, tornando-se em preciosas aliadas dos terapeutas.”
30/08/2018
Sofia Almeida

ANAMNESE DO TOXICODEPENDENTE





Por vezes a anamnese do toxicodependente mostra-se aparentemente limpa de fatores vulnerabilizantes.

Muitas vezes a família gera um escudo de proteção à volta da criança, escudo este que evita por um lado, os perigos do exterior, mas também cria um meio artificial onde a criança não aprende a lidar com a situação de perigo ou de conflito.

Também o excesso de apreciação gera um escudo narcísico que não favorece o desenvolvimento dum narcisismo normal, segundo Fleming, pois, sistematicamente “elogiadas e admiradas, mesmo quando cometiam faltas graves, estas crianças, a quem o espelho do olhar do outro sempre devolveram uma imagem de ser grandioso, desenvolveram uma autoadmiração acrítica que se transforma numa fonte exclusiva de autoestima”.

Ainda segundo a autora, estas crianças não foram expostas a fatores de risco o que, mais tarde, na sequência de algo que não correu bem, surgem perturbações de comportamento, nomeadamente os aditivos, pelo que, o encontro e a descoberta dos efeitos poderosos e mágicos das substâncias tóxicas podem satisfazer de imediato o desequilíbrio e reparar o dano narcísico”

Sofia Almeida
30/08/2018



PERTURBAÇÕES IDENTIFICATÓRIAS EM TOXICODEPENDENTES




Na compreensão da realidade intrapsíquica do toxicodependente, o modelo psicanalítico acentua a importância das perturbações identificatórias associadas à ausência/demissão de um dos progenitores, ao excessivo envolvimento e superproteção do outro progenitor e/ou à patologia de um ou de ambos.

Autores como Amaral Dias e Bergeret sublinham o défice de internacionalização do imago paterno em indivíduos toxicodependentes, muitas vezes acompanhada por uma relação fusional/conflitual com a figura materna. Bergeret afirma que a ausência de uma imagem paterna identificatória pode resultar da ausência física do pai ou da carência/excesso da autoridade paternal, sendo o pai vivenciado como agressor.

Nestas famílias é frequente observar-se que um dos progenitores está mais intensamente envolvido com o toxicodependente, enquanto o outro é mais punitivo, distante ou ausente. Stanton, Wellish, Gay e McEntee referem que o progenitor mais envolvido é geralmente o do sexo oposto ao toxicodependente.

Harbin e Maziar referem que o padrão familiar mais consistentemente encontrado é o da mãe superprotetora e indulgente e o do pai emocionalmente distante ou ausente. Nestas famílias a figura materna é predominante. O pai ou é apagado, ou sujeito a sucessivos ataques de zanga, embora muitas vezes temido. Há também casos em que a figura materna é secundária e o do pai predominante.

Contudo, os autores sublinharam que este padrão não é exclusivo das famílias com um elemento toxicodependente, pois o mesmo pode ser igualmente observado em famílias com outras queixas sintomáticas, tais como, fobia escolar e esquizofrenia.
30/08/2018
Sofia Almeida

quinta-feira, 2 de agosto de 2018

INCONSISTÊNCIA PARENTAL




Verifica-se uma maior frequência de problemas de disciplina em famílias com elementos toxicodependentes. Diversos estudos têm evidenciado uma extrema indulgência e inconsistência parental para com o dependente.

Oscilando muitas vezes entre o estilo laissez-faire e um estilo autoritário, estes pais revelam muitas dificuldades em definir regras educativas claras, embora possam definir limites rígidos para certos comportamentos. Quando esta postura é adotada por cada um dos progenitores em momentos diferentes, a perturbação é ainda maior, originando muitas vezes, triângulos relacionais disfuncionais, marcados por fortes coligações.

Há famílias onde apenas um dos estilos educativos é predominante: O laissez-faire ou o autoritário. Raramente se encontra “um estilo democrático que comprometa pais e filhos na definição e controlo das regras (Fleming).

As regras hierárquicas são praticamente inexistentes ou então verifica-se uma inversão da hierarquia geracional tornando as fronteiras difusas. Stanton e Todd fazem referência a uma inversão da hierarquia familiar, de tal modo que o subsistema parental se torna menos influente que o subsistema filial.

Para além da ausência de clareza e de consistência nas normas parentais, a indefinição de limites é também frequente. Os pais entram frequentemente em conflito sobre o modo de educar e os tipos de disciplina a utilizar, o que se torna ainda mais difícil, quando na maior parte das vezes os toxicodependentes não os tiveram na infância e na adolescência.

Stanton e Todd confirmam esta ideia falando de fronteiras ou limites pouco claros no subsistema familiar. Kaufman refere uma ausência de limites e elos claros na díade pai-filho resultando numa relação de emaranhamento, distantes ou demasiado difusas e equívocas.

Sofia Almeida
02/08/2018



ADAPTABILIDADE À MUDANÇA





Face às exigências atuais esperadas a grande parte dos progenitores, cada vez mais é difícil à família nuclear manter o seu papel tradicional, vocacionado para um cuidadoso empenhamento na função parental e, consequentemente educativa, com um permanente auxílio e atenção aos filhos até à idade em que eles próprios também cumpram esta função.

Não obstante, é importante a família adaptar-se às necessidades e exigências inerentes ao desenvolvimento dos seus membros, respeitando a sua individualidade e consequentemente criando condições para o seu saudável crescimento, não se fixando em padrões rígidos. A família deve crescer e desenvolver-se como se tratasse de um organismo vivo, procurando mudar à medida que os seus elementos também mudam.

Como refere Isabel Andrade “trata-se de dar à criança a segurança e a liberdade necessárias para que aprenda a situar-se na sociedade e a enfrentar as dificuldades. É importante que os pais não sejam demasiado rígidos nem demasiado indecisos. Um amor cego que satisfaça todos os desejos da criança pode vir a favorecer uma toxicodependência ulterior. A criança habitua-se a ter tudo e não suportará a frustração quando for confrontada com dificuldades. Porque foi incitada para uma mentalidade de consumo, quando não é satisfeita de imediato, logo procurará compensar-se.”

Sofia Almeida
02/08/2018


quarta-feira, 1 de agosto de 2018

HOMEOSTASE NA TOXICODEPENDÊNCIA





Ao analisarmos a família como uma globalidade de trocas, mensagens e de relações que se interligam e complementam, devemos considerar que qualquer problema ou sintoma de um dos elementos da família não pode ser visto como um problema isolado.

A regulação do sistema familiar é regido por dois movimentos que se interligam de modo a encontrar o equilíbrio, são eles a homeostase e a morfogénese. Por um lado, a morfogénese impulsiona o sistema familiar para a mudança necessária nos momentos de stresse do ciclo vital da família; por outro lado, a homeostase impulsiona o sistema para o equilíbrio. É da conjugação harmoniosa destes movimentos que a família vai permitindo aos seus elementos o cumprimento das suas funções internas e externas.

Homeostase ou homeostasia, segundo a Wikipédia, é a condição de relativa estabilidade da qual o organismo necessita para realizar suas funções adequadamente para o equilíbrio do corpo. É a propriedade de um sistema aberto, especialmente dos seres vivos, de regular o seu ambiente interno, de modo a manter uma condição estável mediante múltiplos ajustes de equilíbrio dinâmico, controlados por mecanismos de regulação inter-relacionados.

A toxicodependência funciona na família como o sintoma de que a estrutura familiar necessita para manter a homeostase, tendo uma função estabilizadora. Stanton e seus colaboradores formulam mesmo a hipótese de que a dependência à droga possa funcionar como um mecanismo estabilizador quando a balança homeostática familiar entra em rutura. A droga é a prova da rotura do equilíbrio e das frechas na funcionalidade do sistema familiar.

O papel do toxicodependente, enquanto “paciente identificado” pode deslocar-se dentro da família para um qualquer irmão, permitindo a modificação do sistema sem que nada mude. “O sintoma preenche novamente os requisitos homeostáticos da família em momentos diferentes e por meios diferentes” (Sternschuss-Angel).
            Sofia Almeida
01/08/2018




COMUNICAÇÃO EM FAMÍLIAS DE DEPENDENTES





A comunicação em famílias de dependentes é frequentemente patológica

Nas famílias onde existe um toxicodependente, o diálogo ou é inexistente ou é ambíguo, apresentando falta de clareza. Por vezes existe uma circulação excessiva de informação e por vezes escassez da mesma. Os jogos de segredos tornam o processo comunicacional ainda mais difícil, assumindo o consumo de drogas, uma função de comunicação.

Ausloos acentua este aspeto da família e vê no sintoma da droga uma linguagem, um modo de comunicar. Stanton e seus colaboradores referem que a rigidez do sistema familiar é claramente evidente e o consumo de drogas é percecionado como um sintoma de uma família disfuncionante.

É difícil detetar a patologia da família do toxicodependente, estando esta camuflada, só sendo trazida através da manifestação de um sintoma por parte de um dos elementos da família, nomeadamente a toxicodependência que funciona como rutura da falsa estabilidade familiar.

Muitas vezes os filhos toxicodependentes cumprem a função de canal de comunicação entre os pais, tentando triangular as suas relações (quando estes estão demasiado afastados), tornando-se assim no foco das atenções e garantindo as tomadas de papéis por parte dos seus pais (e, consequentemente, o retomar da sua relação, quanto mais não seja parcialmente).

Sofia Almeida
01/08/2018

terça-feira, 31 de julho de 2018

TRIANGULAÇÃO FAMILIAR NAS DEPENDÊNCIAS




Nas dependências, verifica-se muitas vezes a passagem de uma relação diádica instável do casal para uma outra triádica mais estável, em que o toxicodependente faz a triangulação.

Amaral Dias refere que habitualmente quando a relação entre os pais é conflituosa, com várias ameaças de separação, o toxicodependente chama a atenção para si próprio, através de um “agido”, após o qual a dinâmica familiar se centra, funcionando o seu comportamento como uma ajuda à manutenção do equilíbrio homeostático familiar.

Muitas vezes existem alianças patológicas (claramente fusionais), entre os toxicodependentes e um dos elementos do subsistema parental (normalmente as mães), chegando em alguns casos a estabelecerem relações quase de tipo incestuoso.

As fronteiras acabam por ser muito difusas entre o subsistema parental e filial, o que aliados à falta de diálogo entre o casal ou a comunicações ambíguas, resulta em graves conflitos conjugais, que estão muitas vezes escondidos ou abafados durante muito tempo.

Segundo Gameiro estas famílias apresentam taxas de separação e divórcio superiores à da população em geral.
           

Sofia Almeida
31/07/2018

GRUPOS DE AJUDA





Compartilhar situações e problemas com os seus iguais é um ato terapêutico

Cristina Prados, Psicóloga da Associação AARIF de Illescas e Coordenadora do Comité Acessor Técnico de CAARFE, refere que os grupos de ajuda são uma forma específica de redes sociais que geram uma tal quantidade de energia que são capazes de remodelar a sociedade, oferecendo apoio emocional e intelectual, numa espécie de “lugar invisível”.

Refere ainda que nos grupos de auto-ajuda trabalham-se angústias psíquicas e orgânicas através da contenção emocional do grupo aos seus membros, que se ajudam uns aos outros a adquirem a força do grupo como uma unidade.

Estes grupos oferecem apoio e enriquecimento mútuo, fortalecimento dos indivíduos e ajudam nas suas transformações. Neles, procura-se compreender melhor as situações, trocar conhecimentos e experiências, para que os seus elementos possam recuperar de situações ou perturbações psicológicas, ou, pelo menos evitar o seu agravamento, reduzindo desta forma as respetivas consequências.


Sofia Almeida
31/07/2018

segunda-feira, 30 de julho de 2018

PATOLOGIA DO FILHO IMAGINADO


           


Diz Domingos Neto que uma das patologias do toxicodependente é o da criança imaginada pelos pais, ainda antes de ter nascido. Esta criança imaginada é o protótipo psíquico da criança que está para vir ao mundo e em quem os pais vão projetar todos os seus conceitos, projetos e ideias pré-concebidas.
Esta patologia é muitas vezes inconsciente, daí que seja difícil diagnosticá-la, fazê-la ver pelos pais e levá-los a mudar. É tanto mais difícil de erradicar quanto se baseia nos próprios problemas neuróticos e dificuldades psíquicas dos pais, tantas vezes inconscientes, difíceis de reconhecer e tratar.
Sofia Almeida
30/07/2018

O VALOR DA DROGA



O valor da droga pode ser comunicacional e/ou desenvolvimental

Segundo Relvas, “o valor da Droga” pode ser comunicacional e/ou desenvolvimental. O valor comunicacional pode ser descrito em três níveis: um nível semântico, relativo ao significado do comportamento aditivo para cada um dos membros da família; um nível sintático, em que se expressam as regras específicas da interação familiar (o que é ou não aceite), e um nível pragmático, que é correspondente ao resultado evidente da conduta toxicómana.

O valor desenvolvimental surge quando pensamos na adolescência associada ao comportamento do toxicodependente, principalmente, por ser nesta altura em que tal comportamento pode evitar que quer a família quer o adolescente, assumam determinadas tarefas desenvolvimentais específicas das idades que têm e, naturalmente, da fase do ciclo de vida que atravessam, nomeadamente, na adolescência, em que o “jovem não se torna uma pessoa autónoma, não abandona o lar e os seus pais não deixam de assumir as suas funções e deveres parentais.

Para Amaral Dias, o sintoma em si, na sua essência, é indicador da forma como o sistema familiar regula os seus conflitos internos: “O sintoma funciona como uma resolução paradoxal do conflito, encerrando em si o partir e o ficar”, que Stanton designou por pseudo-individuação.

Urbano, defende que as dependências revestem-se em muitos casos de determinados ganhos secundários nas famílias, sobretudo aos servir de objeto transitivo, permitindo a mediação entre a dependência infantil e a autonomia adulta.

A toxicodependência pode também traduzir a existência de uma conduta de sacrifício pelo jovem desempenhada. Eles próprios designam-se como vítimas expiatórias contra quem estaria a sociedade em geral.
Sofia Almeida
30/07/2018

sexta-feira, 27 de julho de 2018

FILHOS DAS DEPENDÊNCIAS




Numa família em que os progenitores apresentam problemas de dependência, os filhos adotam consciente e/ou inconscientemente comportamentos de sobrevivência à crise familiar

Segundo a Psicóloga Cristina Prados, verifica-se com frequência o desempenho de papéis diferentes entre os filhos do mesmo sistema familiar, normalmente associados ao respetivo lugar na fratria, respetivamente, o papel de “herói”, o de “ovelha negra”, o da “criança esquecida” e o de “mascote”.

O papel de herói cabe normalmente ao filho mais velho. É o mais responsável, protetor e conciliador, que se comporta como um segundo pai ou segunda mãe dos irmãos, e que procura receber a aprovação dos outros, especialmente a dos adultos.

O papel do segundo filho é o de “Ovelha negra” que usa o seu comportamento problemático para desafiar as normas da família e da escola, procurando desviar a atenção da dependência do progenitor para si mesmo, como se este fosse o verdadeiro problema da família.

Outro papel é o da criança esquecida que permanece invisível aos olhos da família, sem dar problemas, nem chamar a atenção para si mesmo, a não ser servir de consolo do progenitor não dependente. Este filho adapta-se constantemente às mudanças e necessidades familiares.

O papel desempenhado normalmente por um filho mais novo é o de “palhaço”, o qual usa o seu bom humor e encanto para distrair as atenções das tensões geradas em família e muitas vezes para enfrentar a dor e mascarar os seus medos e inseguranças.

A Psicóloga Cristina Prados refere que existem consequências desadaptativas, algumas específicas para o desempenho de cada um destes papéis, outras mais generalistas, tais como: fragilidades emocionais, comportamentos aditivos, bloqueios emocionais, dificuldades relacionais, problemas psicossomáticos, baixa autoestima, comportamentos antissociais, stresse e ansiedade.

Sofia Almeida
27/07/2018

CODEPENDÊNCIA FAMILIAR





“As dependências e as codependências são dois comportamentos numa mesma perturbação”

As dependências não provocam danos apenas ao indivíduo consumidor, mas a todos (enquanto grupo), a cada um dos elementos do sistema familiar, a amigos, a colegas de trabalho e a outros sistemas sociais envolventes.

Segundo a Psicóloga da Associação AARIF de Illescas, Cristina Prados, num artigo recentemente publicado, numa “família adicta” o problema da dependência é mantido por todos os elementos do sistema familiar, que se predispõem a ajudar o dependente, prolongando a doença ou por falta de aceitação desta, ou em alguns casos, na negação da situação, defendendo-se da sua realidade, desenvolvendo tolerância e adaptação a um sofrimento crónico que apenas lhes trás tristeza, rancor, desorientação e profunda solidão.

Nas famílias codependentes encontramos com frequência a superproteção, a fusão, a incapacidade de resolver conflitos, a rigidez, a falta de intimidade e comunicações disfuncionais. As regras familiares tornam-se confusas e o desempenho dos papéis vai-se distorcendo à medida que o processo de dependência se desenvolve.

Um codependente é um indivíduo cuja vida gira em redor do dependente (interesses, atenção, energia e preocupações), gerando-lhe sofrimento. Mantém sentimentos de medo, tristeza, ódio, ressentimentos e inseguranças. Não sabe onde acaba e começa a sua individualidade e com frequência acha-se responsável pelas ações, pensamentos e sentimentos do outro, procurando desculpas recorrentes para o seu comportamento, procurando controlá-lo compulsivamente em busca de uma sensação de maior segurança.

Dependentes e codependentes têm características idênticas de negação, obsessão, compulsão e perda de controlo, apesar de considerarem que têm as suas vidas controladas. Vivem ambos uma ambivalência contínua na culpa de si mesmo sobre o comportamento do outro e na culpa do comportamento do outro sobre si mesmo.

Normalmente os sentimentos de lealdade familiar sobrepõem-se nestas situações e é com frequência que verificamos a existência do papel da mulher cuidadora que se sacrifica pelos seus, como uma missão pessoal, procurando alguma aprovação e reconhecimento familiar e social por esse mesmo sacrifício, escondendo muitas vezes os seus sentimentos de cansaço, culpa, vergonha e isolamento social, mantendo desta forma, uma situação de negação insustentada.

Romper com a codependência é um processo longo e duro, mas possível, aprendendo novos comportamentos com as premissas de base de que “cada um é responsável pelos seus próprios comportamentos” e “cada um tem de cuidar de si mesmo”, pelo que, o trabalho psicoterapêutico individual e/ou coletivo passa primeiro por reconhecer a impotência sobre o comportamento aditivo do outro; identificar e reconhecer os sentimentos vividos decorrentes do problema da dependência e focar-se nas suas próprias necessidades e desejos.
27/07/2018
Sofia Almeida

quinta-feira, 26 de julho de 2018

FAMÍLIAS: LAÇOS DE SANGUE E/OU LAÇOS DE TERNURA




O núcleo familiar é cada vez menos definido apenas pelos laços de sangue, mas também pelos laços de ternura desenvolvidos com a proximidade afetiva nas relações familiares

A evolução da sociedade impõe mudanças aos sistemas familiares e as novas formas de famílias determinam novos modelos de sociedade.

Transitamos para novos conceitos de família e para diferentes sistemas familiares, em que as novas gerações estão a ser formadas segundo padrões diferentes dos que nortearam o crescimento dos seus pais.

O casamento está a deixar de ser o ato fundador no início da vida adulta e está a passar a ser uma decisão de união para mais tarde, após o início de uma carreira profissional, em que a liberdade individual e a gratificação das relações está acima da formalidade da união, porque o que importa, é sermos felizes.

Cada vez mais, celibatários héteros e homossexuais procuram ter filhos sem parceiros do sexo oposto e decidem lançarem-se a sós na parentalidade, recorrendo à adoção, à inseminação artificial ou a empresas especializadas em maternidade de substituição, conhecidas como “barrigas de aluguer”, procurando desta forma evitar relações desgastantes, riscos nos negócios pessoais ou guerras intermináveis de direitos de custódias dos filhos.

As tecnologias de informação têm ajudado a revolucionar as possibilidades de constituir novas formas de família, nomeadamente a minorias sexuais, ajudando a ultrapassar as dificuldades em estabelecer relacionamentos mais estáveis e duradouros numa espécie de casamentos amigáveis, de afetos securizantes.

Sofia Almeida
26/07/2018