sexta-feira, 31 de agosto de 2018

ACONTECIMENTOS TRAUMÁTICOS





Um dos aspetos que se têm vindo a evidenciar nas investigações científicas realizadas em famílias com um elemento toxicodependente, refere-se à existência de determinados acontecimentos traumáticos que estão presentes nestas famílias, nomeadamente lutos por resolver perante um membro da família perdido, seja por morte, separação ou outras perdas.

A perda de um dos progenitores por morte ou separação, é uma constatação frequente em diversas investigações (Amaral Dias; Coleman, Kaplan e Downing; Fleming; Harbin e Maziar; Stanton), assim como, a descoberta de carência de cuidados parentais muito precocemente (Harbin e Maziar) como consequência de morte ou separação física (Amaral Dias).

Manuela Fleming refere que a perda de um progenitor é um acontecimento traumático e devastador do ponto de vista do equilíbrio afetivo e emocional do ser humano, implicando disfuncionalidade no agregado familiar, carências afetivas dificilmente compensadas e ausência de modelos identificatórios, inscrevendo-se inevitavelmente esta situação num quadro de depressão, declarada ou oculta. O luto a acontecer seria reparador, mas é muitas vezes impossível por demasiado doloroso ou adiado. Segundo esta autora: “Frequentemente perdida no tempo, mas sempre atuante, a dor da perda pode então ser anestesiada ou aliviada e inevitavelmente mascarada pelo recurso à droga. A depressão que o próprio toxicodependente muitas vezes ignora ou esconde sob a aparência de uma falsa indiferença ou apatia emocional, dá então lugar ao diagnóstico de toxicodependência, culpabilizante para o próprio e para a família e fonte de estigma social.”

Fleming, Figueiredo et al, referem num estudo feito em jovens do ensino preparatório e secundário em Matosinhos, consumidores de drogas, mas não toxicodependentes, que a proporção de sujeitos que consomem droga é significativamente maior nas situações de ausência de um ou de ambos os progenitores por falecimento.
Também Rosch pôs em evidência uma distorção do anel familiar devido à separação dos pais. Segundo Amaral Dias, a distorção do anel familiar, pela morte de um dos seus elementos, parece ser decisiva quer no início quer no agravamento dos consumos.

Reilly afirma que os pais dos toxicodependentes sofreram, nas suas famílias de origem, importantes perdas emocionais por morte, divórcio, fuga, rejeição parental, negligência, hostilidade ou doença.

Este vivido do toxicodependente também se encontra frequentes vezes na história familiar da geração anterior, nas famílias de origem dos progenitores destes jovens. Os seus pais provavelmente também sofreram perdas emocionais profundas- perda física do pai ou da mãe  quer seja por morte, divórcio ou fuga), ou perda psicológica (rejeição parental, negligência, hostilidade, doença ou outra). Para além disso, os conflitos e os sentimentos associados a essas perdas nunca foram total ou adequadamente resolvidos, pelo que, por vezes as crianças destes indivíduos foram parentificadas, numa reitificação dos avós perdidos (Amaral Dias).

A estas perdas associam-se “dificuldades do exercício do papel parental por parte do progenitor sobrevivente, perturbação do processo identificatório, nomeadamente quando o sujeito é do mesmo sexo do progenitor “desaparecido”, perpetuação de um luto patológico, de dimensão individual ou até familiar” (Madalena Alarcão).

Angel e colaboradores referem ter observado uma nítida correlação entre a morte dos avós, a depressão dos pais e a toxicodependência dos jovens.

Observa-se com frequência o valor causal que o toxicodependente ou os seus familiares atribuem a este facto, de forma que por vezes bloqueia a capacidade de mobilização das potencialidades de mudança dos sistemas envolvidos.
           

Sofia Almeida
31/08/2018

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