quarta-feira, 5 de março de 2014

VINCULAÇÃO NA ADOLESCÊNCIA


Várias investigações, consideram como tarefa primordial da adolescência, a passagem progressiva das relações com as figuras parentais, para as relações com os pares e  a integração do adolescente no grupo, servindo estas, de função de vinculação. Se na infância as figuras de vinculação mais significativas tendem a ser os adultos, já na adolescência, estas passam a ser os pares.


Bowlby e Ainsworth encaram a vinculação na adolescência como uma transição entre as vinculações da infância e da idade adulta, período em que as relações afetivas vão para além das relações familiares. Ainda que não tenha trabalhado diretamente esta problemática, o autor apresenta uma perspetiva de continuidade e congruência do comportamento de vinculação, ao longo do ciclo de vida, em que os padrões adquiridos na infância, tendem a ser estáveis no tempo, contribuindo a manutenção do comportamento parental, dos cuidados prestados e ainda a resistência à mudança dos modelos representacionais de vinculação que tendem à autoperpetuação. Refere ainda, que nos indivíduos normais há comportamentos de procura de segurança e de exploração do ambiente, que surgem alternadamente ao longo do ciclo vital, de acordo com diversos contextos.

Fleming concluiu do seu estudo sobre a adolescência e autonomia, que a capacidade do jovem se autonomizar, está na dependência não só da sua perceção de ter pais que encorajem a sua autonomia, mas também, da qualidade do vínculo que os liga. A autonomia é fomentada pelas atitudes parentais, conjugadas a uma definição clara de limites e regras para o comportamento, e uma relação calorosa e de aceitação. Refere ainda, que, um estilo democrático de controle parental se associa a uma maior autonomia no jovem; pelo contrário, pais autoritários ou muito permissivos têm, com grande frequência, filhos com baixa autoconfiança, dependentes ou revoltados. Assim, quanto mais os pais forem percecionados como figuras promovendo a autonomia, mais estes funcionam como modelos identificatórios válidos, sendo eles próprios adultos autónomos, e mais valorizarão e reconhecerão a necessidade destes se autonomizarem (ao que parece o encorajamento da autonomia por parte dos pais proporciona e estimula os movimentos exploratórios, a experimentação, o confronto com situações de frustração ou de insucesso, estimulando também a gratificação e satisfação conseguida pela realização de tarefas sem a ajuda parental). No que respeita à qualidade emocional do vínculo com os pais, se a emoção básica for o amor, o jovem progride na sua capacidade de se autonomizar; se a emoção básica for a hostilidade, o jovem não encontra uma base segura, a partir da qual pode levar a cabo o processo de separação e fracassar na tarefa desenvolvimental de autonomia.


Para Bowlby a autoconfiança e consequentemente a autonomia, não é tanto “contar consigo próprio” mas contar com o apoio dos outros, para a partir daí, construir a sua própria autonomia. Na sua opinião, e também a de Soares, uma autoconfiança bem fundada, não só é compatível com a capacidade para contar com os outros, mas cresce com ela e é sua complementar.

Nesta perspetiva, se por um lado, a vinculação é um laço que promove comportamentos de exploração e autonomia no adolescente, surgindo as amizades com os pares, como um importante contexto para o desenvolvimento social deste; por outro lado, as relações e as vivências com os pares e outros adultos significativos, ajudam no processo de separação/individuação, permitindo em simultâneo, a manutenção de fortes laços vinculativos aos pais e a autonomia.

Hartup defende a ideia que o sucesso, segundo o qual as crianças adolescentes e os jovens acompanham com os seus contemporâneos, constitui um dos melhores preditores da adaptação adulta; os jovens que estão geralmente deprimidos e agressivos e que apresentam problemas de comportamento, estão do ponto de vista desenvolvimental, em risco.

Num estudo realizado por Paixão através de entrevistas exploratórias, chegou à conclusão que na adolescência e na juventude, os grupos de pares oferecem outras representações familiares de cada um dos componentes do grupo, possibilitando enriquecimentos mútuos à personalidade de cada um. O jovem ensaia-se nos outros e com os outros, sendo o grupo, portanto, o lugar de experimentação de novas entidades, permitindo assim, ver de fora a família, rever e interiorizar definitivamente a sua representação e a do seu autoconceito.

Numa apreciação da literatura sobre o desenvolvimento psicológico e a perceção dos jovens sobre o seu relacionamento com os pais, em termos de vinculação e autonomia, Soares destacou que a vinculação dos jovens aos pais está positivamente correlacionada com a autoestima e com índices mais gerais relativos ao funcionamento interpessoal e à adaptação social.

Também Armsden evidenciou num estudo sobre a qualidade da vinculação na adolescência, que, relativamente aos pais, esta está positivamente correlacionada com a autoestima.      

Kobak relaciona-a com índices mais gerais no funcionamento interpessoal e competência social, defendendo a ideia que o curso do desenvolvimentos da vinculação parece mover-se da dependência da presença da figura de vinculação na infância (geralmente os pais), caminhando para uma relativa autonomia, dessas mesmas figuras, durante a adolescência, mas ficando de reserva as figuras de vinculação inicial. Estas servem assim de base segura de onde se parte para uma exploração de meio, passando pela proximidade/afastamento dos pais. Da mesma opinião é Soares, designando de “figuras de vinculação de reserva”, pelo facto dos pais constituírem recursos disponíveis para o adolescente, quando este é confrontado com situações de stress.

Kobak e Sceery afirmam que, ainda que muito do tempo do adolescente seja passado sem os pais, a explorar e a estabelecer novas relações com os pares, a maioria dos adolescentes não pretende com isso separar-se deles e pôr em causa a sua relação ou a serem forçados a uma escolha entre eles. Segundo estes autores é de esperar que a qualidade das relações com os pares esteja intimamente ligada à acessibilidade dos pais como figuras de vinculação na reserva durante a adolescência. Assim, espera-se que o adolescente seguro deve ser bem sucedido, quer na negociação das mudanças na relação pais-criança, quer na exploração e no desenvolvimento de relações de confiança com os pares que possam vir a incluir uma componente de vinculação.

Na medida em que, a qualidade das relações com os pares parece estar relacionada com a qualidade da representação dos modelos das figuras de vinculação, pode acontecer que as novas relações extrafamiliares venham a constituir um contexto facilitador para a mudança dos modelos mais precoces. Neste caso a revisão dos modelos pode então ser vista como uma forma de acomodação, na qual, as expectativas existentes mudam de acordo com a nova informação. Esta revisão ou mudança nos modelos representacionais durante o desenvolvimento do adolescente, poderá ter uma influência significativa, na segurança do jovem adulto.

Para Weiss um aspeto importante da vinculação do adolescente com os pares é a capacidade destes em suportar e encorajar os desafios do indivíduo, promotores do seu desenvolvimento. O desenvolvimento da vinculação move-se da dependência da figura de vinculação na infância para uma relativamente autonomia dessa figura na adolescência. Nesta estruturação da relação, há uma potencial rutura na compreensão e entendimento entre pais e filhos. A renegociação da relação deve refletir o equilíbrio entre a expressão da autonomia ou da individualidade e a expressão da ligação torna-se fundamental.

“Para o adolescente é a oportunidade de estabelecer novas relações, particularmente com os pares, que poderá constituir uma relação significativa para reavaliar as vinculações precoces, nomeadamente nas vinculações inseguras. Dado que, se desenvolve a intimidade na relação com os amigos, é possível que estas relações possam introduzir uma descontinuidade no percurso desenvolvimental do sujeito, exigindo a reavaliação e reestruturação da relação do adolescente com os pais”.

Embora os pais deixem de ser figuras centrais e únicas na vida do indivíduo, à medida que este passa da infância para a adolescência, eles continuam, no entanto, a serem figuras de vinculação. Soares e Campos referem-se a investigações realizadas nesta área, que apresentaram dados curiosos quanto à intensidade da vinculação do adolescente aos pais: os adolescentes descrevem-se como estando agora afetivamente mais próximos dos pais do que antes da saída de casa ou mesmo em qualquer outro período do desenvolvimento. Consideram-se também mais responsáveis e autónomos. Este resultado tem sido interpretado como um indicador de mudança de natureza subjetiva na relação do adolescente com os pais; mudança essa, julgada necessária para o próprio processo de separação do adolescente, já que o jovem necessita de percecionar a sua relação com os pais como mais próxima ao nível emocional, de modo a enfrentar com segurança e bem-estar o processo de separação da família.

Se o adolescente renuncia aos seus pais como figuras de vinculação primárias, a sua adaptação ficará dependente do sucesso no estabelecimento de relações com os pares, conforme defende Machado. Quando as relações com os pares não satisfazem adequadamente as necessidades de conforto e suporte do jovem, este experiência a solidão. Segundo Weiss, a solidão pode ser considerada uma forma de angústia de separação, experienciada com maior frequência e sentida mais intensamente. Enquanto que, a angústia de separação pode ser diminuída pela reunião com a figura de vinculação, na juventude há o reconhecimento de que os pais não podem continuar a serem fonte primária de conforto e suporte (Kobak e Sceery). Nesta situação, a solidão é uma forma de angústia de separação, que não pode ser terminada com a reunião com os pais, mas unicamente através do desenvolvimento de ligações afetivas adultas com os pares.

Vários autores em diversos estudos, correlacionam positivamente a qualidade da vinculação na adolescência a outros conceitos, nomeadamente, com o suporte social (McCormick e Kennedy), com a competência social entre pares (Cooper e Carlson). Mais recentemente, alguns estudos têm também procurado relacionar os estilos de vinculação e as relações amorosas na idade adulta, como é o caso de Bartholomew e Horowitz, Collins e Read, Hazen e Shaver.





Sofia Almeida

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