sexta-feira, 31 de agosto de 2018

REGULAÇÃO ESPACIAL EM FAMÍLIAS COM TOXICODEPENDENTES




Friedman, Utada e Morrissey, analisaram 96 famílias de toxicodependentes, utilizando o Modelo Circumplexo de Olson, e concluíram que a maior parte se tratava de famílias dispersas, o que na classificação proposta por Minuchin significa que o grau de autonomia individual é elevado e cada membro é pouco valorizado.

A família do toxicodependente facilmente se apresenta alargada, as separações são impossíveis, mesmo quando a ausência física dos seus elementos se verifica. Alguns membros parecem extremamente emaranhados, enquanto outros parecem desmembrados, sendo frequente a alternância de fases familiares que traduzem a mesma sensação (Relvas).

Para Sternschuss, Angel et al, “parece existir a necessidade de uma pessoa ausente / presente, para garantir a homeostasia do sistema, pois garante a coesão e apreensão dos retornos ou das partidas. Assim o sintoma da toxicodependência foi então escolhido porque respeita esta regra. O indivíduo fica ausente pelo consumo, apesar de estar presente no espaço físico familiar, mantendo a coesão familiar”.

Sofia Almeida
31/08/2018


PSICOPATOLOGIA NAS FAMÍLIAS DE TOXICODEPENDENTES




É frequente encontrar psicopatologia nestas famílias, mais propriamente patologias comportamentais, como o alcoolismo, o comportamento suicida ou outras desordens físicas ou mentais graves, que parecem estar presentes nestas famílias numa proporção superior à encontrada noutras famílias.

Segundo Sternschuss - Angel et al, os episódios psicopatológicos nos pais dos toxicodependentes atinge os 50%: depressão, tentativas de suicídio, alcoolismo, toxicodependência, sintomatologia neurótica, destacando-se as condutas suicidárias na família alargada e o abuso de psicotrópicos e condutas de automedicação pelos pais.

Na casuística de Sylvie e Pierre Angel, cerca de 50% das famílias tinham passado psiquiátrico. Este passado era mais no sentido da depressão e do suicídio, assim como da ingestão abusiva de psicotrópicos.

Se o pai ou a mãe consomem “drogas” é mais fácil surgir um consumo prematuro no adolescente com quem convivem e que, mal ou bem vão educando. Rosh, na sua investigação, concordante com a de Angel, e com a opinião dos terapeutas familiares, é a confirmação de que um número significativo de pais e mães de toxicómanos usam e abusam do álcool e dos psicotrópicos: 15% no caso dos pais / álcool e 29% no caso dos psicotrópicos / mães. Alguns dos toxicodependentes têm hábitos de consumo de sedativos desde a infância, naturalmente administrados pelos pais para acalmar sintomas de ansiedade.

No estudo CEPD Norte, as mães, 40,3% dos casos consideravam-se doentes e recorriam frequentemente aos serviços de saúde. Neste estudo, o autor também confirma o que na literatura é quase unânime: 36,6% dos pais apresentam hábitos alcoólicos e de consumo de psicotrópicos. As patologias comportamentais como o alcoolismo, o comportamento suicida ou outras desordens mentais ou físicas graves, parecem estar também presentes nestas famílias numa proporção superior à encontrada noutras famílias. Este tipo de comportamento pode estar presente na família de origem mas também na família alargada.

Kandel refere que há uma elevada proporção de pais toxicodependentes com problemas de álcool. Levanta-se aqui a hipótese eventual de estar o início do consumo de drogas associado aos hábitos de consumo de substâncias, nomeadamente álcool, ao nível da família e poderem estas conotarem um significado de prazer e de satisfação.

Sofia Almeida
31/08/2018

ACONTECIMENTOS TRAUMÁTICOS





Um dos aspetos que se têm vindo a evidenciar nas investigações científicas realizadas em famílias com um elemento toxicodependente, refere-se à existência de determinados acontecimentos traumáticos que estão presentes nestas famílias, nomeadamente lutos por resolver perante um membro da família perdido, seja por morte, separação ou outras perdas.

A perda de um dos progenitores por morte ou separação, é uma constatação frequente em diversas investigações (Amaral Dias; Coleman, Kaplan e Downing; Fleming; Harbin e Maziar; Stanton), assim como, a descoberta de carência de cuidados parentais muito precocemente (Harbin e Maziar) como consequência de morte ou separação física (Amaral Dias).

Manuela Fleming refere que a perda de um progenitor é um acontecimento traumático e devastador do ponto de vista do equilíbrio afetivo e emocional do ser humano, implicando disfuncionalidade no agregado familiar, carências afetivas dificilmente compensadas e ausência de modelos identificatórios, inscrevendo-se inevitavelmente esta situação num quadro de depressão, declarada ou oculta. O luto a acontecer seria reparador, mas é muitas vezes impossível por demasiado doloroso ou adiado. Segundo esta autora: “Frequentemente perdida no tempo, mas sempre atuante, a dor da perda pode então ser anestesiada ou aliviada e inevitavelmente mascarada pelo recurso à droga. A depressão que o próprio toxicodependente muitas vezes ignora ou esconde sob a aparência de uma falsa indiferença ou apatia emocional, dá então lugar ao diagnóstico de toxicodependência, culpabilizante para o próprio e para a família e fonte de estigma social.”

Fleming, Figueiredo et al, referem num estudo feito em jovens do ensino preparatório e secundário em Matosinhos, consumidores de drogas, mas não toxicodependentes, que a proporção de sujeitos que consomem droga é significativamente maior nas situações de ausência de um ou de ambos os progenitores por falecimento.
Também Rosch pôs em evidência uma distorção do anel familiar devido à separação dos pais. Segundo Amaral Dias, a distorção do anel familiar, pela morte de um dos seus elementos, parece ser decisiva quer no início quer no agravamento dos consumos.

Reilly afirma que os pais dos toxicodependentes sofreram, nas suas famílias de origem, importantes perdas emocionais por morte, divórcio, fuga, rejeição parental, negligência, hostilidade ou doença.

Este vivido do toxicodependente também se encontra frequentes vezes na história familiar da geração anterior, nas famílias de origem dos progenitores destes jovens. Os seus pais provavelmente também sofreram perdas emocionais profundas- perda física do pai ou da mãe  quer seja por morte, divórcio ou fuga), ou perda psicológica (rejeição parental, negligência, hostilidade, doença ou outra). Para além disso, os conflitos e os sentimentos associados a essas perdas nunca foram total ou adequadamente resolvidos, pelo que, por vezes as crianças destes indivíduos foram parentificadas, numa reitificação dos avós perdidos (Amaral Dias).

A estas perdas associam-se “dificuldades do exercício do papel parental por parte do progenitor sobrevivente, perturbação do processo identificatório, nomeadamente quando o sujeito é do mesmo sexo do progenitor “desaparecido”, perpetuação de um luto patológico, de dimensão individual ou até familiar” (Madalena Alarcão).

Angel e colaboradores referem ter observado uma nítida correlação entre a morte dos avós, a depressão dos pais e a toxicodependência dos jovens.

Observa-se com frequência o valor causal que o toxicodependente ou os seus familiares atribuem a este facto, de forma que por vezes bloqueia a capacidade de mobilização das potencialidades de mudança dos sistemas envolvidos.
           

Sofia Almeida
31/08/2018

quinta-feira, 30 de agosto de 2018

RIGIDEZ NOS PROCESSOS DE MUDANÇA EM FAMÍLIAS COM DEPENDÊNCIAS




 “A mente que se abre a uma nova ideia nunca retorna ao seu tamanho original.” No entanto, abrir a mente é um exercício complicado.”
Albert Einstein

As famílias devem organizar-se através de regras de funcionamento que não podem ser nem muito rígidas, nem muito flexíveis. Deverá haver um constante reajuste, no sentido de uma adaptação progressiva a novos fatores quer de ordem interna, quer de ordem externa à própria família.
A rigidez e a homeostasia são as principais características de grande parte destas famílias, sendo difícil a implementação de mudanças. Há falta de flexibilidade e incapacidade para lidar com o stresse, sobretudo durante as crises desenvolvimentais. Um toxicodependente é alguém que quer tudo e imediatamente. Quando o invade a angústia ou o desejo da droga, ele não sabe esperar.
Domingos Neto, defende que não faz sentido responsabilizar os pais por um fenómeno que assumiu proporções epidémicas e que acompanha as profundas transformações sociais dos últimos anos, nomeadamente mudanças profundas na estrutura da família. Na sua opinião, não há famílias nem educações ideais e em muitos aspetos, as famílias dos toxicómanos são superiormente dotadas, sendo que a queda de um dos seus filhos revela a conjugação de vários fatores.
Refere ainda que “muitas famílias são passíveis de mudança e temos maior sucesso no tratamento dos toxicómanos, quando as famílias são paralelamente acompanhadas, tornando-se em preciosas aliadas dos terapeutas.”
30/08/2018
Sofia Almeida

ANAMNESE DO TOXICODEPENDENTE





Por vezes a anamnese do toxicodependente mostra-se aparentemente limpa de fatores vulnerabilizantes.

Muitas vezes a família gera um escudo de proteção à volta da criança, escudo este que evita por um lado, os perigos do exterior, mas também cria um meio artificial onde a criança não aprende a lidar com a situação de perigo ou de conflito.

Também o excesso de apreciação gera um escudo narcísico que não favorece o desenvolvimento dum narcisismo normal, segundo Fleming, pois, sistematicamente “elogiadas e admiradas, mesmo quando cometiam faltas graves, estas crianças, a quem o espelho do olhar do outro sempre devolveram uma imagem de ser grandioso, desenvolveram uma autoadmiração acrítica que se transforma numa fonte exclusiva de autoestima”.

Ainda segundo a autora, estas crianças não foram expostas a fatores de risco o que, mais tarde, na sequência de algo que não correu bem, surgem perturbações de comportamento, nomeadamente os aditivos, pelo que, o encontro e a descoberta dos efeitos poderosos e mágicos das substâncias tóxicas podem satisfazer de imediato o desequilíbrio e reparar o dano narcísico”

Sofia Almeida
30/08/2018



PERTURBAÇÕES IDENTIFICATÓRIAS EM TOXICODEPENDENTES




Na compreensão da realidade intrapsíquica do toxicodependente, o modelo psicanalítico acentua a importância das perturbações identificatórias associadas à ausência/demissão de um dos progenitores, ao excessivo envolvimento e superproteção do outro progenitor e/ou à patologia de um ou de ambos.

Autores como Amaral Dias e Bergeret sublinham o défice de internacionalização do imago paterno em indivíduos toxicodependentes, muitas vezes acompanhada por uma relação fusional/conflitual com a figura materna. Bergeret afirma que a ausência de uma imagem paterna identificatória pode resultar da ausência física do pai ou da carência/excesso da autoridade paternal, sendo o pai vivenciado como agressor.

Nestas famílias é frequente observar-se que um dos progenitores está mais intensamente envolvido com o toxicodependente, enquanto o outro é mais punitivo, distante ou ausente. Stanton, Wellish, Gay e McEntee referem que o progenitor mais envolvido é geralmente o do sexo oposto ao toxicodependente.

Harbin e Maziar referem que o padrão familiar mais consistentemente encontrado é o da mãe superprotetora e indulgente e o do pai emocionalmente distante ou ausente. Nestas famílias a figura materna é predominante. O pai ou é apagado, ou sujeito a sucessivos ataques de zanga, embora muitas vezes temido. Há também casos em que a figura materna é secundária e o do pai predominante.

Contudo, os autores sublinharam que este padrão não é exclusivo das famílias com um elemento toxicodependente, pois o mesmo pode ser igualmente observado em famílias com outras queixas sintomáticas, tais como, fobia escolar e esquizofrenia.
30/08/2018
Sofia Almeida

quinta-feira, 2 de agosto de 2018

INCONSISTÊNCIA PARENTAL




Verifica-se uma maior frequência de problemas de disciplina em famílias com elementos toxicodependentes. Diversos estudos têm evidenciado uma extrema indulgência e inconsistência parental para com o dependente.

Oscilando muitas vezes entre o estilo laissez-faire e um estilo autoritário, estes pais revelam muitas dificuldades em definir regras educativas claras, embora possam definir limites rígidos para certos comportamentos. Quando esta postura é adotada por cada um dos progenitores em momentos diferentes, a perturbação é ainda maior, originando muitas vezes, triângulos relacionais disfuncionais, marcados por fortes coligações.

Há famílias onde apenas um dos estilos educativos é predominante: O laissez-faire ou o autoritário. Raramente se encontra “um estilo democrático que comprometa pais e filhos na definição e controlo das regras (Fleming).

As regras hierárquicas são praticamente inexistentes ou então verifica-se uma inversão da hierarquia geracional tornando as fronteiras difusas. Stanton e Todd fazem referência a uma inversão da hierarquia familiar, de tal modo que o subsistema parental se torna menos influente que o subsistema filial.

Para além da ausência de clareza e de consistência nas normas parentais, a indefinição de limites é também frequente. Os pais entram frequentemente em conflito sobre o modo de educar e os tipos de disciplina a utilizar, o que se torna ainda mais difícil, quando na maior parte das vezes os toxicodependentes não os tiveram na infância e na adolescência.

Stanton e Todd confirmam esta ideia falando de fronteiras ou limites pouco claros no subsistema familiar. Kaufman refere uma ausência de limites e elos claros na díade pai-filho resultando numa relação de emaranhamento, distantes ou demasiado difusas e equívocas.

Sofia Almeida
02/08/2018



ADAPTABILIDADE À MUDANÇA





Face às exigências atuais esperadas a grande parte dos progenitores, cada vez mais é difícil à família nuclear manter o seu papel tradicional, vocacionado para um cuidadoso empenhamento na função parental e, consequentemente educativa, com um permanente auxílio e atenção aos filhos até à idade em que eles próprios também cumpram esta função.

Não obstante, é importante a família adaptar-se às necessidades e exigências inerentes ao desenvolvimento dos seus membros, respeitando a sua individualidade e consequentemente criando condições para o seu saudável crescimento, não se fixando em padrões rígidos. A família deve crescer e desenvolver-se como se tratasse de um organismo vivo, procurando mudar à medida que os seus elementos também mudam.

Como refere Isabel Andrade “trata-se de dar à criança a segurança e a liberdade necessárias para que aprenda a situar-se na sociedade e a enfrentar as dificuldades. É importante que os pais não sejam demasiado rígidos nem demasiado indecisos. Um amor cego que satisfaça todos os desejos da criança pode vir a favorecer uma toxicodependência ulterior. A criança habitua-se a ter tudo e não suportará a frustração quando for confrontada com dificuldades. Porque foi incitada para uma mentalidade de consumo, quando não é satisfeita de imediato, logo procurará compensar-se.”

Sofia Almeida
02/08/2018


quarta-feira, 1 de agosto de 2018

HOMEOSTASE NA TOXICODEPENDÊNCIA





Ao analisarmos a família como uma globalidade de trocas, mensagens e de relações que se interligam e complementam, devemos considerar que qualquer problema ou sintoma de um dos elementos da família não pode ser visto como um problema isolado.

A regulação do sistema familiar é regido por dois movimentos que se interligam de modo a encontrar o equilíbrio, são eles a homeostase e a morfogénese. Por um lado, a morfogénese impulsiona o sistema familiar para a mudança necessária nos momentos de stresse do ciclo vital da família; por outro lado, a homeostase impulsiona o sistema para o equilíbrio. É da conjugação harmoniosa destes movimentos que a família vai permitindo aos seus elementos o cumprimento das suas funções internas e externas.

Homeostase ou homeostasia, segundo a Wikipédia, é a condição de relativa estabilidade da qual o organismo necessita para realizar suas funções adequadamente para o equilíbrio do corpo. É a propriedade de um sistema aberto, especialmente dos seres vivos, de regular o seu ambiente interno, de modo a manter uma condição estável mediante múltiplos ajustes de equilíbrio dinâmico, controlados por mecanismos de regulação inter-relacionados.

A toxicodependência funciona na família como o sintoma de que a estrutura familiar necessita para manter a homeostase, tendo uma função estabilizadora. Stanton e seus colaboradores formulam mesmo a hipótese de que a dependência à droga possa funcionar como um mecanismo estabilizador quando a balança homeostática familiar entra em rutura. A droga é a prova da rotura do equilíbrio e das frechas na funcionalidade do sistema familiar.

O papel do toxicodependente, enquanto “paciente identificado” pode deslocar-se dentro da família para um qualquer irmão, permitindo a modificação do sistema sem que nada mude. “O sintoma preenche novamente os requisitos homeostáticos da família em momentos diferentes e por meios diferentes” (Sternschuss-Angel).
            Sofia Almeida
01/08/2018




COMUNICAÇÃO EM FAMÍLIAS DE DEPENDENTES





A comunicação em famílias de dependentes é frequentemente patológica

Nas famílias onde existe um toxicodependente, o diálogo ou é inexistente ou é ambíguo, apresentando falta de clareza. Por vezes existe uma circulação excessiva de informação e por vezes escassez da mesma. Os jogos de segredos tornam o processo comunicacional ainda mais difícil, assumindo o consumo de drogas, uma função de comunicação.

Ausloos acentua este aspeto da família e vê no sintoma da droga uma linguagem, um modo de comunicar. Stanton e seus colaboradores referem que a rigidez do sistema familiar é claramente evidente e o consumo de drogas é percecionado como um sintoma de uma família disfuncionante.

É difícil detetar a patologia da família do toxicodependente, estando esta camuflada, só sendo trazida através da manifestação de um sintoma por parte de um dos elementos da família, nomeadamente a toxicodependência que funciona como rutura da falsa estabilidade familiar.

Muitas vezes os filhos toxicodependentes cumprem a função de canal de comunicação entre os pais, tentando triangular as suas relações (quando estes estão demasiado afastados), tornando-se assim no foco das atenções e garantindo as tomadas de papéis por parte dos seus pais (e, consequentemente, o retomar da sua relação, quanto mais não seja parcialmente).

Sofia Almeida
01/08/2018