Um
dos aspetos que se têm vindo a evidenciar nas investigações científicas
realizadas em famílias com um elemento toxicodependente, refere-se à existência
de determinados acontecimentos traumáticos que estão presentes nestas famílias,
nomeadamente lutos por resolver perante um membro da família perdido, seja por
morte, separação ou outras perdas.
A
perda de um dos progenitores por morte ou separação, é uma constatação frequente
em diversas investigações (Amaral Dias; Coleman, Kaplan e Downing; Fleming;
Harbin e Maziar; Stanton), assim como, a descoberta de carência de cuidados
parentais muito precocemente (Harbin e Maziar) como consequência de morte ou
separação física (Amaral Dias).
Manuela
Fleming refere que a perda de um progenitor é um acontecimento traumático e
devastador do ponto de vista do equilíbrio afetivo e emocional do ser humano,
implicando disfuncionalidade no agregado familiar, carências afetivas
dificilmente compensadas e ausência de modelos identificatórios, inscrevendo-se
inevitavelmente esta situação num quadro de depressão, declarada ou oculta. O
luto a acontecer seria reparador, mas é muitas vezes impossível por demasiado
doloroso ou adiado. Segundo esta autora: “Frequentemente perdida no tempo, mas
sempre atuante, a dor da perda pode então ser anestesiada ou aliviada e
inevitavelmente mascarada pelo recurso à droga. A depressão que o próprio
toxicodependente muitas vezes ignora ou esconde sob a aparência de uma falsa
indiferença ou apatia emocional, dá então lugar ao diagnóstico de
toxicodependência, culpabilizante para o próprio e para a família e fonte de
estigma social.”
Fleming,
Figueiredo et al, referem num estudo feito em jovens do ensino preparatório e
secundário em Matosinhos, consumidores de drogas, mas não toxicodependentes,
que a proporção de sujeitos que consomem droga é significativamente maior nas
situações de ausência de um ou de ambos os progenitores por falecimento.
Também
Rosch pôs em evidência uma distorção do anel familiar devido à separação dos
pais. Segundo Amaral Dias, a distorção do anel familiar, pela morte de um dos
seus elementos, parece ser decisiva quer no início quer no agravamento dos
consumos.
Reilly
afirma que os pais dos toxicodependentes sofreram, nas suas famílias de origem,
importantes perdas emocionais por morte, divórcio, fuga, rejeição parental,
negligência, hostilidade ou doença.
Este
vivido do toxicodependente também se encontra frequentes vezes na história
familiar da geração anterior, nas famílias de origem dos progenitores destes
jovens. Os seus pais provavelmente também sofreram perdas emocionais profundas-
perda física do pai ou da mãe quer seja
por morte, divórcio ou fuga), ou perda psicológica (rejeição parental,
negligência, hostilidade, doença ou outra). Para além disso, os conflitos e os
sentimentos associados a essas perdas nunca foram total ou adequadamente
resolvidos, pelo que, por vezes as crianças destes indivíduos foram
parentificadas, numa reitificação dos avós perdidos (Amaral Dias).
A
estas perdas associam-se “dificuldades do exercício do papel parental por parte
do progenitor sobrevivente, perturbação do processo identificatório,
nomeadamente quando o sujeito é do mesmo sexo do progenitor “desaparecido”,
perpetuação de um luto patológico, de dimensão individual ou até familiar”
(Madalena Alarcão).
Angel
e colaboradores referem ter observado uma nítida correlação entre a morte dos
avós, a depressão dos pais e a toxicodependência dos jovens.
Observa-se
com frequência o valor causal que o toxicodependente ou os seus familiares atribuem
a este facto, de forma que por vezes bloqueia a capacidade de mobilização das
potencialidades de mudança dos sistemas envolvidos.
Sofia Almeida
31/08/2018