quarta-feira, 5 de março de 2014

VINCULAÇÃO NA IDADE ADULTA


Os estudos de Main e colaboradores, nos anos de 1984/1988, marcam o início dos estudos de vinculação na idade adulta. A análise deixa de ser sobre variáveis externas e observáveis, e passa a ser sobre aspetos internos e representacionais da vinculação. Tentam operacionalizar o conceito de modelos internos dinâmicos do self e do outro, conceito este inicialmente proposto por Bowlby (estes modelos são desenvolvidos nas interações com as figuras de vinculação ao longo da existência e constituem importantes grelhas de leitura, sendo utilizados para prever a disponibilidade e responsividade do outro e orientar o sujeito nas relações de proximidade).


A formação de ligações afetivas na idade adulta coloca a questão da continuidade e da mudança na organização interna da vinculação no indivíduo à medida que este começa a criar novas relações. Durante a fase inicial da existência, os modelos são relativamente flexíveis, construindo mais tarde, o que Bartholomew e Horowitz crêem ser estilos de vinculação organizados em redor de diferentes configurações dos Working Models do self e dos outros.

Contudo, o crescimento e desenvolvimento do indivíduo, não pode ser considerado apenas como um produto determinado pela infância: cada uma das fases do ciclo vital tem o seu peso, mas os modelos inicialmente construídos vão-se desenvolvendo. O sujeito é sempre um agente ativo e dinâmico, que seleciona e organiza as influências do meio, contribuindo para a construção da sua própria história ao longo do ciclo vital.

A vinculação tem efetivamente um papel contínuo ao longo do desenvolvimento no bem-estar do indivíduo, contudo, existem diferenças desenvolvimentais importantes nas relações de vinculação adultas que se vão estabelecendo e que se caracterizam pela reciprocidade e pela integração funcional nos sistemas comportamentais envolvidos numa relação íntima; exemplo disso é a eleição entre os pares, das suas figuras de vinculação.

A vinculação representa uma de entre muitas, das componentes importantes das novas relações estabelecidas, o que ilustra a complexidade das relações de vinculação na idade adulta, pelo envolvimento de diferentes sistemas comportamentais na formação e manutenção dessas relações. A rede de relações no adulto é extensa e diversificada, constituindo-se diferentes classes de relações que servem diversas funções, diferindo no seu conteúdo e objetivos. Ainsworth refere que uma relação ou classes de relações, podem ser importantes para um indivíduo, mesmo que não constitua um laço afetivo em geral, ou uma vinculação em particular.

As relações de vinculação no adulto servem diferentes propósitos daqueles observados na infância. No adulto, assumem fundamentalmente funções de relação com os pares, tendem a envolver reciprocidade e alternância no desenvolvimento de cuidados e emoções fortes que perduram. A vinculação é um processo interativo entre duas pessoas na continuidade de uma relação, como referem Spearling e Bearman.

Os indivíduos considerados seguros, pautam as suas relações com uma maior durabilidade e como positivas, vivendo a relação numa base de confiança, amizade, evidenciando a aceitação e o apoio do outro.

Segundo Weiss os critérios de definição do comportamento de vinculação presentes na infância, são também, aplicáveis a vários tipos de relações adultas: ao relacionamento conjugal, à relação monoparental, em situações de elevado stress (entre companheiros de guerra), ou ainda, nas relações de mulheres solteiras com os seus melhores amigos, pais ou irmãos. Em todos estes casos, verifica-se a disponibilidade da figura de vinculação. O desejo de proximidade com essa figura,  o maior conforto e menor ansiedade quando estão em sua companhia, e ainda, o mal-estar quando essa figura está inacessível.

Weiss apresenta vários argumentos ao defender que, o sistema de vinculação dos adultos representa um desenvolvimento do sistema de vinculação da criança, nomeadamente, as semelhanças das características emocionais dos dois sistemas; a generalização da experiência; a ligação temporal entre as relações de vinculação do adulto e da criança. Relativamente ao primeiro critério, o autor defende que, as propriedades das vinculações na infância e na idade adulta são as mesmas, mesmos nos sentimentos associados à sua ativação e nos seus aspetos motivacionais, está presente nas reações à perda e separação, que é semelhante ao experienciados por uma criança. Para explicar a generalização da experiência utiliza o exemplo da criança, que perdeu a confiança nos pais como figuras de vinculação, devido ao seu divórcio, e que mais tarde, poderá ter dificuldades em estabelecer relações amorosas com os seus pares. Por último defende a ideia de que a vinculação no adulto representa um estádio posterior do sistema de vinculação da infância.

Contudo, o autor refere que, apesar das relações dos adultos se pautem pelos mesmos critérios de definição do comportamento de vinculação da criança, também se revelam diferentes: contrariamente às relações pais-criança, em que as figuras parentais são as figuras principais ou primárias que lhes prestam cuidados, as vinculações dos adultos tendem a desenvolver reciprocidade ou alternância no desempenho de cuidados, o que pode tornar o funcionamento da vinculação menos evidente. Enquanto que, as figuras de vinculação nas crianças são geralmente os adultos que lhes prestam cuidados, as do adulto, emanam das suas relações com os pares, alguém que entre estes é considerado único; um segundo aspeto prende-se com as capacidades do adulto em situações em que o sistema de vinculação é intensamente ativado, sendo estes consideravelmente menos frequentes do que na infância, e a tolerância à separação é tanto maior tanto mais se o sujeito representar mentalmente essa situação como gratificante para si e para o outro. Um outro aspeto relaciona-se com a capacidade do adulto ter mais recursos para procurar segurança noutros adultos, caso a vinculação seja afetada pela morte, divórcio ou outro tipo de separação definitiva. Um último aspeto, refere-se ao facto de que enquanto que no adulto a vinculação constitui apenas uma das componentes da relação com uma determinada figura; durante a infância, sobretudo nas suas fazes mais precoces, a vinculação e o sentimento de segurança tendem a penetrar todos os aspetos da relação.






Sofia Almeida

VINCULAÇÃO NA ADOLESCÊNCIA


Várias investigações, consideram como tarefa primordial da adolescência, a passagem progressiva das relações com as figuras parentais, para as relações com os pares e  a integração do adolescente no grupo, servindo estas, de função de vinculação. Se na infância as figuras de vinculação mais significativas tendem a ser os adultos, já na adolescência, estas passam a ser os pares.


Bowlby e Ainsworth encaram a vinculação na adolescência como uma transição entre as vinculações da infância e da idade adulta, período em que as relações afetivas vão para além das relações familiares. Ainda que não tenha trabalhado diretamente esta problemática, o autor apresenta uma perspetiva de continuidade e congruência do comportamento de vinculação, ao longo do ciclo de vida, em que os padrões adquiridos na infância, tendem a ser estáveis no tempo, contribuindo a manutenção do comportamento parental, dos cuidados prestados e ainda a resistência à mudança dos modelos representacionais de vinculação que tendem à autoperpetuação. Refere ainda, que nos indivíduos normais há comportamentos de procura de segurança e de exploração do ambiente, que surgem alternadamente ao longo do ciclo vital, de acordo com diversos contextos.

Fleming concluiu do seu estudo sobre a adolescência e autonomia, que a capacidade do jovem se autonomizar, está na dependência não só da sua perceção de ter pais que encorajem a sua autonomia, mas também, da qualidade do vínculo que os liga. A autonomia é fomentada pelas atitudes parentais, conjugadas a uma definição clara de limites e regras para o comportamento, e uma relação calorosa e de aceitação. Refere ainda, que, um estilo democrático de controle parental se associa a uma maior autonomia no jovem; pelo contrário, pais autoritários ou muito permissivos têm, com grande frequência, filhos com baixa autoconfiança, dependentes ou revoltados. Assim, quanto mais os pais forem percecionados como figuras promovendo a autonomia, mais estes funcionam como modelos identificatórios válidos, sendo eles próprios adultos autónomos, e mais valorizarão e reconhecerão a necessidade destes se autonomizarem (ao que parece o encorajamento da autonomia por parte dos pais proporciona e estimula os movimentos exploratórios, a experimentação, o confronto com situações de frustração ou de insucesso, estimulando também a gratificação e satisfação conseguida pela realização de tarefas sem a ajuda parental). No que respeita à qualidade emocional do vínculo com os pais, se a emoção básica for o amor, o jovem progride na sua capacidade de se autonomizar; se a emoção básica for a hostilidade, o jovem não encontra uma base segura, a partir da qual pode levar a cabo o processo de separação e fracassar na tarefa desenvolvimental de autonomia.


Para Bowlby a autoconfiança e consequentemente a autonomia, não é tanto “contar consigo próprio” mas contar com o apoio dos outros, para a partir daí, construir a sua própria autonomia. Na sua opinião, e também a de Soares, uma autoconfiança bem fundada, não só é compatível com a capacidade para contar com os outros, mas cresce com ela e é sua complementar.

Nesta perspetiva, se por um lado, a vinculação é um laço que promove comportamentos de exploração e autonomia no adolescente, surgindo as amizades com os pares, como um importante contexto para o desenvolvimento social deste; por outro lado, as relações e as vivências com os pares e outros adultos significativos, ajudam no processo de separação/individuação, permitindo em simultâneo, a manutenção de fortes laços vinculativos aos pais e a autonomia.

Hartup defende a ideia que o sucesso, segundo o qual as crianças adolescentes e os jovens acompanham com os seus contemporâneos, constitui um dos melhores preditores da adaptação adulta; os jovens que estão geralmente deprimidos e agressivos e que apresentam problemas de comportamento, estão do ponto de vista desenvolvimental, em risco.

Num estudo realizado por Paixão através de entrevistas exploratórias, chegou à conclusão que na adolescência e na juventude, os grupos de pares oferecem outras representações familiares de cada um dos componentes do grupo, possibilitando enriquecimentos mútuos à personalidade de cada um. O jovem ensaia-se nos outros e com os outros, sendo o grupo, portanto, o lugar de experimentação de novas entidades, permitindo assim, ver de fora a família, rever e interiorizar definitivamente a sua representação e a do seu autoconceito.

Numa apreciação da literatura sobre o desenvolvimento psicológico e a perceção dos jovens sobre o seu relacionamento com os pais, em termos de vinculação e autonomia, Soares destacou que a vinculação dos jovens aos pais está positivamente correlacionada com a autoestima e com índices mais gerais relativos ao funcionamento interpessoal e à adaptação social.

Também Armsden evidenciou num estudo sobre a qualidade da vinculação na adolescência, que, relativamente aos pais, esta está positivamente correlacionada com a autoestima.      

Kobak relaciona-a com índices mais gerais no funcionamento interpessoal e competência social, defendendo a ideia que o curso do desenvolvimentos da vinculação parece mover-se da dependência da presença da figura de vinculação na infância (geralmente os pais), caminhando para uma relativa autonomia, dessas mesmas figuras, durante a adolescência, mas ficando de reserva as figuras de vinculação inicial. Estas servem assim de base segura de onde se parte para uma exploração de meio, passando pela proximidade/afastamento dos pais. Da mesma opinião é Soares, designando de “figuras de vinculação de reserva”, pelo facto dos pais constituírem recursos disponíveis para o adolescente, quando este é confrontado com situações de stress.

Kobak e Sceery afirmam que, ainda que muito do tempo do adolescente seja passado sem os pais, a explorar e a estabelecer novas relações com os pares, a maioria dos adolescentes não pretende com isso separar-se deles e pôr em causa a sua relação ou a serem forçados a uma escolha entre eles. Segundo estes autores é de esperar que a qualidade das relações com os pares esteja intimamente ligada à acessibilidade dos pais como figuras de vinculação na reserva durante a adolescência. Assim, espera-se que o adolescente seguro deve ser bem sucedido, quer na negociação das mudanças na relação pais-criança, quer na exploração e no desenvolvimento de relações de confiança com os pares que possam vir a incluir uma componente de vinculação.

Na medida em que, a qualidade das relações com os pares parece estar relacionada com a qualidade da representação dos modelos das figuras de vinculação, pode acontecer que as novas relações extrafamiliares venham a constituir um contexto facilitador para a mudança dos modelos mais precoces. Neste caso a revisão dos modelos pode então ser vista como uma forma de acomodação, na qual, as expectativas existentes mudam de acordo com a nova informação. Esta revisão ou mudança nos modelos representacionais durante o desenvolvimento do adolescente, poderá ter uma influência significativa, na segurança do jovem adulto.

Para Weiss um aspeto importante da vinculação do adolescente com os pares é a capacidade destes em suportar e encorajar os desafios do indivíduo, promotores do seu desenvolvimento. O desenvolvimento da vinculação move-se da dependência da figura de vinculação na infância para uma relativamente autonomia dessa figura na adolescência. Nesta estruturação da relação, há uma potencial rutura na compreensão e entendimento entre pais e filhos. A renegociação da relação deve refletir o equilíbrio entre a expressão da autonomia ou da individualidade e a expressão da ligação torna-se fundamental.

“Para o adolescente é a oportunidade de estabelecer novas relações, particularmente com os pares, que poderá constituir uma relação significativa para reavaliar as vinculações precoces, nomeadamente nas vinculações inseguras. Dado que, se desenvolve a intimidade na relação com os amigos, é possível que estas relações possam introduzir uma descontinuidade no percurso desenvolvimental do sujeito, exigindo a reavaliação e reestruturação da relação do adolescente com os pais”.

Embora os pais deixem de ser figuras centrais e únicas na vida do indivíduo, à medida que este passa da infância para a adolescência, eles continuam, no entanto, a serem figuras de vinculação. Soares e Campos referem-se a investigações realizadas nesta área, que apresentaram dados curiosos quanto à intensidade da vinculação do adolescente aos pais: os adolescentes descrevem-se como estando agora afetivamente mais próximos dos pais do que antes da saída de casa ou mesmo em qualquer outro período do desenvolvimento. Consideram-se também mais responsáveis e autónomos. Este resultado tem sido interpretado como um indicador de mudança de natureza subjetiva na relação do adolescente com os pais; mudança essa, julgada necessária para o próprio processo de separação do adolescente, já que o jovem necessita de percecionar a sua relação com os pais como mais próxima ao nível emocional, de modo a enfrentar com segurança e bem-estar o processo de separação da família.

Se o adolescente renuncia aos seus pais como figuras de vinculação primárias, a sua adaptação ficará dependente do sucesso no estabelecimento de relações com os pares, conforme defende Machado. Quando as relações com os pares não satisfazem adequadamente as necessidades de conforto e suporte do jovem, este experiência a solidão. Segundo Weiss, a solidão pode ser considerada uma forma de angústia de separação, experienciada com maior frequência e sentida mais intensamente. Enquanto que, a angústia de separação pode ser diminuída pela reunião com a figura de vinculação, na juventude há o reconhecimento de que os pais não podem continuar a serem fonte primária de conforto e suporte (Kobak e Sceery). Nesta situação, a solidão é uma forma de angústia de separação, que não pode ser terminada com a reunião com os pais, mas unicamente através do desenvolvimento de ligações afetivas adultas com os pares.

Vários autores em diversos estudos, correlacionam positivamente a qualidade da vinculação na adolescência a outros conceitos, nomeadamente, com o suporte social (McCormick e Kennedy), com a competência social entre pares (Cooper e Carlson). Mais recentemente, alguns estudos têm também procurado relacionar os estilos de vinculação e as relações amorosas na idade adulta, como é o caso de Bartholomew e Horowitz, Collins e Read, Hazen e Shaver.





Sofia Almeida

terça-feira, 4 de março de 2014

VINCULAÇÃO




Conhecer como é que as relações interpessoais afetam quem somos e em quem nos tornamos, afigura-se como tema central no estudo do desenvolvimento humano. O papel desempenhado pelo ambiente no desenvolvimento do indivíduo, nomeadamente o ambiente relacional, é considerado pelos atuais modelos transacionais de desenvolvimento, conjuntamente com o sistema biológico, como o seu mais importante sistema regulador.

O interesse pelo estudo da vinculação é relativamente recente. As primeiras investigações foram realizadas por Bowlby em crianças, nos anos trinta do século passado. Nestas investigações procurava-se avaliar a organização comportamental da vinculação na primeira infância, resultando na Teoria da Vinculação, podendo esta ser considerada como uma teoria global do desenvolvimento socio-emocional, como refere Canavarro.

Como médico, Bowlby trabalhou com crianças inadaptadas, as quais lhe suscitaram o interesse em estudar os problemas da privação dos cuidados maternos no posterior desenvolvimento do indivíduo e respetivos comportamentos, contribuindo de forma preciosa e pioneira, para a compreensão da formação, manutenção e perturbações dos laços afetivos que podiam explicar algumas das perturbações (nomeadamente distúrbios de personalidade e até mesmo psiquiátricos) que o autor observava em pacientes adultos. Efetivamente, nas observações que vai fazendo, constata que alguns dos comportamentos de crianças privadas de cuidados maternos se assemelhavam aos observados nos seus pacientes em psicoterapias sujeitos a separações precoces.

Assim, segundo a Teoria de Vinculação de Bowlby as primeiras interações da criança com a figura de vinculação são o pilar que vai permitir as relações afetivas no futuro e a representação da relação com os outros, estabelecendo o padrão de vinculação que se manterá estável, e que, deste modo, como refere Canavarro “será indiretamente responsável pela saúde mental na idade adulta”.

Foi só nos anos oitenta que a investigação sobre este tema se estendeu a outros períodos  do desenvolvimento humano, preocupando-se com a representação da linguagem relacionada com a vinculação. Assim tornou-se possível o estudo na adolescência e na idade adulta, começando a aparecer vários estudos que procuravam analisar a associação entre a vinculação e outras dimensões do adolescente e do jovem. Os trabalhos sobre vinculação têm vindo a aumentar numa série de áreas, incluindo espécies não humanas, em diferentes culturas e em vários estádios do ciclo vital.


O termo vinculação, do latim vinculum ou vinclum, significa “laço, atadura, e pode dar lugar ainda a grilhões, cadeias, prisões”( Barros, Braga e Dantas). Vínculo, do latim vinculu, significa “tudo o que serve para prender ou atar; atilho; laço; nó; liame; vencilho; relação; bens vinculados; morgadio; ligação moral ou parentesco; o casamento.”(Dicionário da Língua Portuguesa, 8ª Edição, Porto Editora). Vincular, significa “atar; ligar; prender por meio de vínculos; sujeitar; obrigar; prender moralmente; ligar-se; arreigar-se; perpetuar-se; firmar; segurar ou obter a posse; emprazar; referente a vínculo.” (Dicionário da Língua Portuguesa, 8ª Edição, Porto Editora).

Bowlby, utilizou o termo vinculação para designar qualquer comportamento que tem como objetivo a manutenção da proximidade da criança com a figura de vinculação. Esta particular situação variará de acordo com determinados fatores emocionais inerentes à criança, ao meio onde tudo se processa e ao comportamento da figura que cuida. Assim, a vinculação corresponde ao modo pelo qual o sistema comportamental se organiza em relação a uma figura específica, figura essa, em que a criança procurará proximidade e contacto, sendo o comportamento um modo, um atributo à figura vinculada, persistente e não afetado por situações momentâneas; sendo estabelecido, tende a perdurar no tempo e no espaço.

A função do comportamento de vinculação é a proteção do perigo, o conteúdo da relação está centrado na regulação da segurança, ou seja, a manutenção da relação é experienciada como fonte de segurança (proteção contra o perigo) e satisfação; caso esta seja ameaçada, observa-se o ciúme, ansiedade e raiva; se ocorrer rutura, há dor ou mesmo depressão. Demonstra assim,  que a acessibilidade das figuras parentais é o único meio capaz de produzir sentimentos de segurança na criança.

Bowlby enfatiza a importância da carga emocional inerente a esta relação, pois considera que é durante a formação, manutenção e rutura da relação de vinculação, que a maior parte das emoções mais intensas eclodem. Posteriormente alargou o conceito a todo o ciclo de vida, apesar dos seus trabalhos se centrarem, essencialmente na infância e na adolescência.

Bretherton, refere-nos que existe uma figura (vinculada) que procurará proteção, e uma figura (de vinculação) como sendo mais forte e mais capaz para se confrontar com o mundo, que facultará segurança, conforto ou ajuda.

Ainsworth, diz que a componente responsável pela evolução da vinculação é a prestação de cuidados que está, por sua vez, relacionada com a função de proteção; ou seja, a relação de vinculação desenvolve-se na interação destes sistemas: o da criança, que procura cuidados e atenção que lhe proporcionem a satisfação das suas necessidades de proteção e segurança e a do adulto, capaz e disponível para dar resposta às solicitações, materializadas na prestação de cuidados. Afirma também que o sistema de vinculação é um entre outros, de base biológica e característico da espécie.

“Ainsworth, Blehar, Waters e wall sublinharam que o que realiza a vinculação é o comportamento que promove a proximidade ou o contacto com uma ou mais figuras específicas a que o indivíduo está vinculado.”

Vinculação, é para Figueiredo, “um conjunto de comportamentos que têm como principal objetivo manter a proximidade com pessoa ou pessoas específicas às quais se está ligado por sentimentos afetuosos, num sentido muito geral.”

Vinculação, segundo Madalena Alarcão “Relação privilegiada com uma figura particular que confere segurança e proteção através dos cuidados que a mesma proporciona. Esta relação é interativa, desenvolvendo-se numa relação complementar entre os dois parceiros: um que solicita cuidados e atenções que lhe garantam a satisfação das suas necessidades de segurança e proteção e outro que tem que ser responsivo, i.é, ser capaz de compreender e responder adequadamente às solicitações recebidas através da prestação de cuidados. Se a figura de vinculação realizar regularmente este papel, a figura vinculada pode desenvolver uma confiança básica que lhe proporcionará um sentimento de segurança necessário ao desenvolvimento da atividade de exploração do mundo envolvente. De acordo com as características desta relação vinculativa a criança interiorizará um modelo particular de vinculação relativamente estável durante toda a vida. De acordo com a investigação realizada, distinguem-se três grandes modelos de vinculação: a vinculação segura..., vinculação insegura...( tipo inseguro-evitante e inseguro-ambivalente) ..., e um último tipo, designado como desorganizado/desorientado...”

“Lerner e Rytt, cit. por Bretherton, realizaram uma revisão sobre definições de vinculação, comentando que “definir vinculação é como operacionalizar um ideal platónico. Essa dificuldade pode ser ilustrada com as distinções encontradas na literatura entre vinculação e dependência, afiliação, relações objetais e comportamentos de vinculação. A maior controvérsia em torno da delimitação de fronteiras do conceito de vinculação foi o paralelismo feito por alguns autores com o conceito de dependência e comportamentos de vinculação.

Bowlby refere-nos a propósito, que o conceito de vinculação deve ser distinguido do conceito de dependência e explica-nos através do conceito de sistema comportamental, dizendo que os comportamentos mais simples vão sendo organizados em sistemas mais complexos, já que as condições de ativação e desativação do comportamento de vinculação não são sempre as mesmas ao longo do ciclo de vida do indivíduo, podendo diminuir e até mesmo ser representado através de meios sofisticados de comunicação, nomeadamente, telefonemas, cartas, fotos, etc.

Barros et al. dizem que “a vinculação contém em si um sentimento de pertença e está associada ao ímpeto da separação. O sentimento de pertença está em oposição à afirmação de autonomização tornando-se numa luta de inconciliáveis contradições, que está subjacente a todo o tipo de vinculações e desvinculações pelas quais passamos ao longo da vida”. Em resposta a esta assimilação, Rutter apoiado por outros autores, referiu que na relação de vinculação, a ênfase é colocada na promoção de segurança que permite encorajar a independência. A vinculação não é uma forma imatura de dependência, a ultrapassar, mas uma plataforma que permite o funcionamento autónomo.”


Como refere Ainsworth, a Teoria de vinculação defende a ideia de que todos os seres humanos nascem munidos de um sistema de vinculação que lhes permite procurar a proximidade de uma figura que lhes forneça proteção e uma base de segurança (base segura), a partir da qual possam explorar o meio”. É a função de proteção do sistema de vinculação que torna possível a promoção da aprendizagem e o contacto com o ambiente, pois a exploração de novos estímulos só ocorre quando a acessibilidade da figura de vinculação está garantida.
           
Bowlby diz que as relações de vinculação influenciam decisivamente o modo como a criança vê o seu meio. A criança que não teme o abandono da figura de vinculação, vê o mundo de forma não ameaçadora e por isso pode ter uma interação mais ajustada do que aquela em que prevalece o receio de abandono, tornando qualquer atividade interativa, uma fonte de potencial de ansiedade e de perturbação emocional, dificultando todo o processo de desenvolvimento psicológico. Assim, na perspetiva da Teoria da Vinculação, muitas das alterações da personalidade podem ser atribuídas a perturbações no desenvolvimento do comportamento de vinculação.

Os indivíduos que evidenciam padrões de vinculação insegura, são muitas vezes descritos como dependentes, imaturos, ansiosos, e sob stress são capazes de desenvolver sintomas neuróticos, depressão ou comportamentos fóbicos. Nos indivíduos com uma vinculação ansiosa, qualquer que seja a idade, o comportamento de vinculação é ativado frequentemente, de modo urgente, e é persistente, mesmo sem haver aparentemente qualquer condição que o justifique. Estes indivíduos não têm confiança sobre a acessibilidade e responsividade das suas figuras de vinculação quando necessárias, adotando a estratégia de manter a proximidade, numa tentativa de assegurar a sua disponibilidade. A vinculação insegura ou ansiosa parece resultar de experiências desfavoráveis ou adversas nas situações em que o sistema de vinculação está ativado e caracteriza-se pelo desejo de manter os parceiros próximos, existindo hipervigilância, relativamente a aspetos ligados à separação; a presença e disponibilidade do parceiro é percecionada como incerta.

A vinculação evitante, caracteriza-se por estratégias de diminuição da importância da relação; os parceiros são percecionados como fontes indutoras de stress e alvos de desconfiança ((Hazan & Shaver).  Para Bowlby, o estabelecimento destes tipos de vinculação pode constituir um fator de risco em termos psicopatológicos, na medida em que pode levar os indivíduos a responder de modo adverso ao stress e a serem mais vulneráveis a perturbações psicopatológicas.

Bowlby defende que as características dos indivíduos com tipos de vinculação ansiosa ou evitante, tendem a permanecer ao longo do desenvolvimento, pois os modelos internos de vinculação que o indivíduo constrói durante a infância e a adolescência tendem a persistir ao longo da idade adulta. Como resultado, há uma tendência em assimilar qualquer outra pessoa com quem estabelece uma ligação afetiva (cônjuge, filho, amigo) ao modelo das figuras de vinculação e do self, apesar deste modelo ser inadequado.

A vinculação segura, segundo o mesmo autor, está baseada nas experiências repetidas nas quais o medo e a ansiedade foram avaliados de um modo adequado, pelas intervenções da figura de vinculação, levando a criança a retomar as explorações do meio. Outros autores (Hazan & Shaver), referem que neste tipo de vinculação, as relações com parceiros decorrem com facilidade; estes são percecionados como respondendo às necessidades do próprio, sempre que necessário, proporcionando desta forma uma sensação de segurança e bem estar.



Bowlby criou mapas cognitivos (modelos internos de vinculação), que designa por Working Models, para explicar a representação das relações de vinculação. Estes são constituídos por conhecimentos e expectativas sobre a figura de vinculação, em termos da acessibilidade e responsividade; e sobre o self, em termos do seu valor pessoal e capacidade de a afetar. Funcionam como guias que interpretam as experiências, orientam e ajudam a monitorizar o comportamento, ativado o sistema em situações de stress emocional (tais como experiência de medo, mal-estar, de separação, ou de perda de alguém significativo), levando a desencadear certas ações para obter proximidade da figura de vinculação. É a qualidade deste fluxo de trocas emocionais entre o self e o outro significativo nestas situações, que determina a qualidade da relação de vinculação, tornando-a promotora de segurança, insegurança ou ainda evitante. Estes mecanismos constituem os principais meios explicativos da saúde mental do adulto, que resultam da interação que a criança estabelece com a mãe, sendo, em grande parte, determinados pelo comportamento desta. Idealmente para a formação de Working Models funcionais, a mãe deve ser sensitiva aos sinais e necessidades da criança.

A ação particular das “expectativas de eficácia pessoal” ou do “autoconceito”, já havia sido referida implicitamente por Bowlby sob a designação de “Working Model sobre si próprio”. Mais recentemente, Bartholomew e Bartholomew & Horowitz enfatizaram o papel do conceito sobre si próprio, em que uma figura de vinculação sensitiva e respondente não é só uma base de segurança, a partir da qual o indivíduo pode explorar o meio, mas também um elemento capaz de produzir a sensação de que o indivíduo é capaz de despertar cuidados por parte dos outros, aumentando-lhe as expectativas de eficácia pessoal, que facilmente se generalizam a outros contextos. Por outro lado, a presença de uma figura inconsistente ou rejeitante produz a sensação de incapacidade para gerar respostas adequadas por parte dos outros, o que acaba por se traduzir em expectativas de ineficácia pessoal e baixo autoconceito.

Bartholomew & Horowitz com base nos estudos feitos por Hazan e Shaver apresentam assim, um modelo conceptual dos estilos de vinculação na idade adulta, baseados nos dois tipos de modelos internos dinâmicos propostos por Bowlby, concebendo a imagem do self como positiva ou negativa, bem como a imagem do outro. Da combinação destas duas dimensões, resultariam quatro padrões de vinculação: seguro, preocupado, evitante desligado (desligado) e o evitante com medo (medroso). Na descrição deste modelo, o tipo seguro significa a perceção de si mesmo como merecedor de cuidados; o padrão preocupado, é a perceção de si próprio como não merecedor dos cuidados dos outros; o tipo evitante, é o indivíduo com medo como não merecedor de cuidados dos outros, aliado a uma avaliação deste com as pessoas; e o evitante desligado é o indivíduo em que a perceção de si próprio se apresenta como não dando resposta às suas necessidades.

Alguns estudos (Adams & Jones; Litowsky & Dusek; Brewin et al.) que procuraram estudar a ligação entre relações afetivas com os pais e medidas de autoconceito de adolescentes e jovens adultos, revelaram de forma inequívoca, que os indivíduos que percecionam os seus pais como afetuosos e capazes de fornecer suporte, têm autoconceitos mais elevados do que aqueles que os recordam como distantes ou rejeitantes. Foram também encontrada nestes estudos, a ideia que níveis elevados de criticismo são característicos de indivíduos que durante a infância, estabeleceram relações pouco satisfatórias, caracterizadas por pouco afeto e carinho para com os progenitores.

As estratégias de “Coping” atuariam também como mecanismos intermediários entre relações afetivas e saúde mental. O facto da figura de vinculação não exibir permanentemente comportamentos adequados às necessidades do indivíduo ou ser inconsciente na emissão de respostas adequadas, gera ansiedade no indivíduo. Num esforço de adaptação a estas situações, tendo aprendido que essa figura é incapaz de o tranquilizar, o indivíduo organiza respostas de evitamento e respostas ambivalentes, tentando minimizar as incapacidades percecionadas. Esta forma de Lidar com a figura de vinculação vai sendo progressivamente generalizada a outros contextos, acabando por se transformar em padrões típicos de “Coping”.

Nos desenvolvimentos da Teoria de Vinculação encontra-se referência expressa a conceitos oriundos da Psicologia Cognitiva, verificando-se também a situação inversa. Um exemplo da interpenetração das duas áreas é a sugestão, de que, as distorções cognitivas na perceção de acontecimentos interpessoais são mecanismos mediadores entre relações afetivas e saúde mental. Pessoas com vinculação insegura, estão especialmente predispostas a interpretar acontecimentos interpessoais indutores de stress como rejeições (Hammen et al.), ou como mais uma evidência da sua falta de competências sociais (Sroufe & Fleeson), podendo surgir, como resultado, sintomatologia depressiva ou outro tipo de psicossintomatologia.

Por último, com base em estudos que confirmam a continuidade da organização cognitiva da vinculação ao longo do ciclo de vida (Main et al.); Grossmann & Grossmann, e entre gerações (Benoit & Parker), alguns autores (Rosenstein & Horowitz; Main et al, sugeriram que mecanismos de regulação do afeto, seriam as variáveis mediadoras entre as relações de vinculação e o tipo de psicopatologia apresentado. Rosenstein e Horowitz referiram que a “vinculação evitante é característica das perturbações em que a ansiedade é evitada, o afeto é contido e a expressão do comportamento disfuncional é diretamente expressa em direção aos outros (como acontece nas perturbações do comportamento ou no distúrbio de personalidade); a vinculação ansiosa é característica das perturbações em que há consciência da ansiedade sentida, o afeto não é modelado e o comportamento disfuncional é diretamente expresso em relação a si próprio (como acontece nas depressões, perturbações mediadas pela ansiedade ou distúrbio de personalidade histérica)”.



As primeiras formulações de Bowlby constituem ainda, atualmente, a base dos novos modelos que procuram ligar relações afetivas e saúde mental, ao ponto de se tornar difícil distinguir as abordagens que podem ser consideradas como desenvolvimentos do modelo, daquelas, que constituem perspetivas distintas.

Rutter considera que as principais limitações do modelo original são a de não especificar o desenvolvimento das relações e vinculação ao longo do ciclo vital e a de formular hipóteses muito gerais sobre os mecanismos intermediários entre as duas variáveis em causa.

Embora os desenvolvimentos do modelo tenham procurado ultrapassar as limitações apontadas, oferecendo neste aspeto importantes contribuições, as teses que defendem não suscitam a mesma concordância do que as formulações originais. A proposta sobre a intervenção dos mecanismos reguladores do afeto como variável mediadora entre relações de vinculação e saúde mental, comporta, nomeadamente, raciocínios circulares, de difícil comprovação empírica.

O estudo científico da vinculação começou com a análise das diferenças individuais na organização comportamental da vinculação nas crianças. Diferenças essas observáveis através de um procedimento laboratorial designado por Situação Estranha. Este procedimento consiste, numa sequência estruturada de separações e reencontros entre o bebé e a figura de vinculação, e o seu objetivo é ativar o sistema de vinculação e o de exploração.

Ainsworth e os seus colaboradores, identificaram três padrões distintos de interação com base em diferentes reações comportamentais face às figuras significativas e ao meio circundante, que, supostamente corresponderiam a diferentes estruturas internas de organização da vinculação, como mencionou Cicchetti et al, estratégias organizadas pela criança para gerir a ansiedade causada pela separação e pela reunião. Estas ter-se-ão desenvolvido a partir da acessibilidade e responsividade nas respostas das figuras de vinculação às solicitações de apoio, conforto e proteção da criança em contexto natural. Padrões de comportamento de interação da criança com a mãe, avaliados na situação Estranha de acordo com Ainsworth et al:
Padrão A: Inseguro-Evitante: Verifica-se uma exploração independente da mãe, no início separa-se da mãe para explorar o ambiente; baixa partilha de afetos, estabelece relação com o estranho; verifica-se também um evitamento ativo da mãe após a reunião, olha para o outro lado, movimenta-se noutra direção, ignora; não evita o estranho.
            Padrão B: Seguro: A mãe é uma base de segurança para exploração do ambiente, separa-se para brincar, partilha emoções enquanto brinca, estabelece relação com o estranho na presença da mãe; conforta-se rapidamente após situação indutora de stress; Procura ativa de contacto e interação após reunião; quando agitada, procura imediatamente o contacto e este põe fim à agitação; quando não está agitada, mostra-se satisfeita por ver a mãe e dá início à interação.
            Padrão C: Inseguro-Ansioso: O comportamento exploratório é pobre, tem dificuldade de se isolar para explorar o ambiente, necessita sempre de contacto, mesmo antes da separação, receio de situações e pessoas diferentes. Tem dificuldade em estabelecer contacto após a reunião, existência simultânea de procura e resistência ao contacto, gritando, dando pontapés ou rejeitando brinquedos; pode continuar a chorar e gritar ou aparentar grande passividade.

Para além dos padrões mencionados, foram identificados mais recentemente por Main e Solomon, padrões atípicos de comportamento de vinculação, caracterizados por comportamentos desorganizados, contraditórios, movimentos e expressões incompletos ou indiretos, comportamento estereotipados, movimentos assimétricos, a que designaram de Padrão D. A identificação deste quarto padrão está relacionada com o Projeto de Desenvolvimento Social levado a cabo por Main, Cassidy, Solomon, Weston, entre outros, na Universidade de Berkeley.
                       

Sofia Almeida