"Pessoas com mentes treinadas poderão fazer nascer crianças mais propensas a serem felizes"
Há dias li uma entrevista a Matthieu Ricard sobre a felicidade e a meditação, cujos argumentos, valem a pena partilhar, pois, estou convencida, que podem ajudá-lo a melhorar algumas atitudes e comportamentos.
Matthieu Ricard, doutorou-se em genética molecular, mas trocou Paris pelos Himalaias há quase trinta anos, tendo-se tornado num monge budista. É autor de vários livros, nomeadamente “O Monge e o filósofo” (Edições ASA) e “O infinito na palma da mão” (Edições Notícias).
Este monge garante-nos que a felicidade é uma questão de treino. É uma habilidade, uma forma de ser, e pode ser cultivada. Basta querer. Explica-nos que se não somos particularmente felizes, temos de aprender a cultivar essa forma de ser, eliminando as toxinas mentais, como o ódio, a obsessão, o ciúme, a arrogância, o orgulho e desejo e cultivar gradualmente as qualidades positivas que integram a felicidade, como o altruísmo, o amor, a compaixão ou a criatividade. Aos poucos, alguns desses venenos mais grosseiros começam a esbater-se e o resultado é uma espécie de liberdade grande ou felicidade. Cada uma destas qualidades contribui para um sentimento de florescimento e bem-estar.
Segundo Matthieu Ricard, é, pois, importante estarmos conscientes das nossas emoções e possuirmos determinados métodos para lidarmos com elas. Por exemplo, no que respeita à ansiedade, primeiro devemos tomar consciência o quanto esta é inútil e depois, perceber que se deixar a ansiedade encher a minha mente vou ficar num estado miserável. Ao tornarmos a mente mais consciente desta ansiedade, esta vai perdendo a força, porque a deixamos de a alimentar. Não a bloqueámos, deixamos só que se desvanecesse. Quando ficamos familiarizados com este processo, as emoções continuam a aparecer, mas com menos força, e gradualmente levaremos menos tempo a dissolvê-la.
Segundo o Monge, o nosso controlo das circunstâncias exteriores é mínimo e no fim estamos sempre à mercê das nossas mentes, pelo que, quando temos condições interiores para o bem-estar, os ganhos, as perdas, prazer e dor, sucessos e falhanços perdem a relevância. Ou seja, será fantástico se as coisas correrem bem, mas não é um drama se correrem mal.
Conclui então que a felicidade existe independentemente do sofrimento ou dos prazeres passageiros. Quanto mais nos confrontamos com os altos e baixos da vida, mais a reforçamos, porque ficamos menos vulneráveis às circunstâncias exteriores.
É certo que tendemos a resistir à mudança, mas existe sempre um potencial para a mudança e um dos fatores determinantes para Matthieu é a inspiração. Há predisposições biológicas para a felicidade ou infelicidade, que, numa pequena percentagem podem ser genéticas. Mas, no essencial, devemos perceber que é sempre possível cultivar condições que nos ajudem a sermos melhores. Se temos uma razão para mudar, é mais fácil.
Pelo contrário, o maior perigo é desistir. A primeira coisa a fazer é reconhecer o potencial de mudar. Depois precisamos de algum interesse e este só aparece se virmos um benefício. Devemos, pois, cultivar a nossa vida de emoções positivas. Por exemplo, se a raiva é o meu principal problema, então devemos cultivar a benevolência, enchendo-nos com este sentimento. Talvez este se torne mais forte e neutralize a raiva, porque as duas emoções são incompatíveis.
"O que há a fazer é aumentar o tempo em que nos concentramos em emoções positivas, e isso é uma questão de treino"
Um filósofo suíço chamado Alexandre Jollien defende que a meditação tem efeitos sobre o sofrimento físico e também mental. Defende também que a depressão é um campo onde a meditação pode ser poderosa. Reconhece que é difícil começar a meditar quando se está no pico da depressão porque não se tem vontade, mas nas pessoas que já tiveram pelo menos dois episódios, os progressos de meditação baseada na atenção plena reduziram em 40% o risco de recaída.
Alerta-nos ainda para o facto de que inicialmente a meditação pode não ser divertida, mas reitera que se deixamos de meditar, os efeitos perduram igualmente porque mudamos a nossa maneira de ser. Devemo-nos consciencializar que a determinação em fazer algo para acabar com o sofrimento faz parte da nossa felicidade. Para a felicidade é muito pior fazer mal aos outros do que nos fazerem mal a nós. Não quer dizer que temos que ser passivos se nos agredirem, mas se não pudermos evitar, só temos que lidar com isso. No fundo a felicidade é usar todas as circunstâncias de forma construtiva.
Ser infeliz é uma escolha a longo prazo. Se algo acontece e não estamos treinados para lidar com isso, não temos escolha se não ficarmos angustiados. Podemos a longo prazo, aprender a lidar com isso. A escolha que temos é começar um processo de mudança, uma cultura de meditação pode criar gerações mais felizes na medida em que a cultura e educação têm uma influência determinante na forma como o cérebro das crianças se começa a moldar.
Um estudo de Michael T. Kasser mediu os níveis de consumismo de centenas de pessoas por 20 anos e concluiu que quanto mais alto é, menos felizes somos. O consumismo gera a procura dos prazeres imediatos, o que não nos traz felicidade e na nossa sociedade atual até as crianças são inundadas de anúncios proporcionando-lhes um começo tortuoso para a conquista da sua felicidade.