quinta-feira, 16 de julho de 2020

REGRAS EM CRISE

Regras em crise


Uma boa forma de promovermos o autocontrolo dos nossos filhos e ajudá-los a estabelecer os seus próprios limites é impormos disciplina desde cedo.

Preocupamo-nos em dar muito aos nossos filhos, mas exigirmos pouco. O mau comportamento muitas vezes não chega a ser penalizado, ou muitas vezes é atenuado em pouquíssimo tempo, porque o coração dos pais, entretanto amoleceu e rapidamente reconquistam tudo o que perderam. Assim, a existir, o castigo nem chegou a exercer a sua função pedagógica na mudança do mau comportamento.
O processo de mudança passa pelo estabelecimento de regras e limites por parte da família, e, se possível, nos primeiros seis anos de vida, em que a interiorização das regras e consciencialização dos limites são mais fáceis de integrar, pois na adolescência, este trabalho muitas vezes esbarra na tirania já instalada nos filhos.
Muitos pais atribuem o mau comportamento dos filhos a um qualquer problema, quando em grande parte das vezes, não associam à inexistência de autoridade parental.
Saber dizer NÃO e MANTÊ-LO dá muito mais trabalho que dizer sim. Mas, o curioso é que um não é sentido com frequência pelas crianças como uma segurança de que os pais estão atentos e as protegem de maus comportamentos e eventuais riscos.
Como refere Daniel Sampaio; “É preciso afirmar, sem subterfúgios, que não se pode educar sem autoridade, quer no contexto da família, quer no ambiente da escola. Há temas que não são negociáveis na interação com os filhos: o respeito pelos mais velhos, a proibição da linguagem obscena, o cumprimento dos horários, a obrigatoriedade de trabalhar ou estudar, a manutenção dos limites da privacidade geracional, a necessidade de cumprir em conjunto os rituais familiares (festas familiares, férias de família), entre outros”.
Sofia Almeida

terça-feira, 26 de novembro de 2019




ENCONTRO “DESCRIMINALIZAÇÃO – 15 ANOS DEPOIS”



  
AUDITÓRIO DA BIBLIOTECA MUNICIPAL ALMEIDA GARRETT
PORTO
8 de novembro de 2016


  


Perspetivar o futuro das CDT implica necessariamente analisarmos o percurso da humanidade na utilização de SPA. Compreendermos contextos passados, avaliarmos estratégias presentes e desenvolvermos capacidade de traçarmos futuros possíveis e desejáveis no âmbito dos comportamentos aditivos e dependências.

O uso de SPA existiu em cada tempo histórico-cultural. Utilizadas em rituais sagrados, como elementos de prestígio, em mecanismos de integração social, ou em meros contextos recreativos, têm sido diversas as representações sociais do uso de SPA. Apesar da sua intensidade ter sido variada, converteu-se muitas vezes em dependências entre a humanidade e as substâncias.

No ocidente não há registo significativo de consumo de drogas até aos anos sessenta. Mas com o aumento do crime, do terrorismo, do tráfico, com a guerra do Vietnam e o conhecido movimento Hippie, o consumo alastrou rapidamente a todas as regiões e faixas etárias.

Nos anos oitenta vulgarizou-se o “drogar para não sentir” e registou-se aumento de consumo de opiáceos sobretudo Ásia Ocidental, Leste Europeu e EUA. Também tranquilizantes, benzodiazepinas e estimulantes registaram expansão sem precedentes, sobretudo na Europa e nos EUA.

Em Portugal, no final da década de noventa, a toxicodependência era tida como a principal preocupação dos portugueses. Estimava-se que 1% da população portuguesa eram utilizadores dependentes de heroína.

E na sua missão de promoção de saúde pública, o governo português, perante a gravidade do fenómeno aprovou a Estratégia Nacional de Luta contra a Droga, implementando respostas integradas de prevenção, de dissuasão, de redução de riscos e minimização de danos, de tratamento e reinserção.

A descriminalização em Portugal com a missão de promover a dissuasão do consumo de substâncias psicoativas e a diminuição das dependências, apresenta resultados positivos, na saúde dos consumidores, na redução da sua estigmatização criminal e aproximação aos cuidados de saúde através de um modelo de intervenção integrada.

Ao longo destes últimos 15 anos de intervenção na dissuasão, verificámos que perfil do consumidor, bem como os seus padrões de consumo têm vindo a mudar, nesta sociedade que caminha no sentido da preocupação com a longevidade, saúde e bem-estar.

Se nos primeiros anos, priorizávamos a intervenção em toxicodependentes, com consumos problemáticos, indivíduos estigmatizados e desestruturados, procurando integrá-los na rede de cuidados de saúde. Mais recentemente, a intervenção tem vindo a focar-se maioritariamente em utilizadores de cannabis, socialmente mais integrados e mais informados sobre as substâncias, procurando efeitos mais potentes e menores riscos associados, cujos encaminhamentos para acompanhamentos especializados superam os motivados pelo uso de heroína e cocaína.

  


O consenso internacional entre países que promovem execuções de condenados por crimes de droga e os países defensores que de políticas de drogas consistentes com a declaração universal dos direitos humanos parece difícil de alcançar.

Mas tem existido uma evolução na abordagem destas temáticas entre os estados membros das Nações Unidas, em que a experiência da descriminalização é tida como um modelo de boas práticas em Portugal desde 2001.

Portugal promoveu um movimento global de reflexão, de debate, de partilha, disseminando uma nova abordagem centralizada nos direitos humanos, mudando a questão da toxicodependência do foro criminal para um problema de saúde pública.


Na verdade, sem a pretensão de pensarmos que existirá um modelo único de intervenção para países com realidades geopolíticas distintas e algumas até contraditórias, a descriminalização contribuiu para a disseminação da perceção da priorização da redução da procura, ao invés da concentração apenas na redução da oferta.

  
                                              

  
O compromisso entre a experiência adquirida ao longo dos 15 anos de descriminalização e avaliação sistemática dos resultados alcançados, quer através da colaboração regular com investigações nacionais, quer estudos internacionais, tem resultado em evidências científicas sobre o impacto das intervenções na área da dissuasão.

E as evidências científicas demonstram que descriminalizar o consumo além de não contribuir para qualquer aumento de utilização de estupefacientes, contribui para a melhoria da saúde e bem-estar, integrando os utilizadores na rede de referenciação dos cuidados de saúde, promovendo assim direitos universais de tratamento.

Entendemos que a transparência dos resultados alcançados, que sempre caracterizou a intervenção das CDT, contribui para a perceção do valor social acrescentado da dissuasão e respetivo reconhecimento da sociedade no que respeita à promoção da saúde pública.

Têm-se promovido discussões públicas alargadas pelos diferentes países com paradigmas de intervenção bastante distintos, consciencializando profissionais de saúde para intervenções integradas, promovendo a sustentabilidade política das intervenções, delineando tendências, apoiando tomadas de decisão informadas e perspetivando caminhos futuros de consolidação e afirmação.




Centrados em princípios humanistas, o foco de ação das CDT é o indivíduo e a relação que este estabelece com a substância, respeitando a sua individualidade, através de intervenções empáticas, não recriminatórias, adaptadas e centradas nas suas necessidades.

Discursos moralistas não criam ressonâncias, não permitem meta comunicações sobre comportamentos aditivos e dependências. Se queremos mudar atitudes ou mesmo filosofias de vida baseadas na longevidade, saúde e bem-estar, a intervenção de dissuasão deve ser encarada como uma oportunidade de aprendizagens e transformação diferenciadas para projetos de vida autónomos.

Partindo da premissa que a liberdade de escolha está diretamente relacionada com a responsabilidade individual, as CDT promovem um momento de paragem, de reflexão, como que um expansor de consciências, apresentando ao indiciado fortes argumentos de dissuasão de utilização SPA e de comportamentos aditivos para tomadas de decisão informadas e escolhas assertivas contribuindo para cidadãos mais capacitados com escolhas mais saudáveis.

Numa compreensão holística dos indivíduos, procuramos refletir sobre comportamentos aditivos através de escutas ativas e informações especializadas gera ações conscientes e de qualidade, consentâneas com o propósito interno de cada um, ajudando-os a perceber e potencializar as suas competências pessoais e sociais.

O perfil do consumidor e os padrões de consumos mudaram nestes últimos 15 anos de descriminalização. As gerações atuais estão cada vez mais informadas e dotadas de competências, não obstante, encontrarmos ainda com frequência, jovens pouco reflexivos quanto às suas potencialidades pessoais para alcançar os seus objetivos e determinar qual o caminho a seguir.

Sendo a descriminalização em Portugal uma experiência evolutiva e adaptativa, os procedimentos técnicos adotados têm vindo a alinhar-se com abordagens de intervenção padronizadas, graças a documentos elaborados e disseminados pelo SICAD, tais como, as Linhas de Orientação Para a Intervenção em Dissuasão, conhecidas como as LOID, e, ainda, a Harmonização de procedimentos jurídicos nas CDT”, resultando claro, em intervenções transformadoras e potencializadoras de mudança. 

O sentimento de missão de dissuasão dos comportamentos aditivos e dependências e os resultados positivos entretanto alcançados reforçam a dedicação diária das equipas de profissionais altamente qualificados e orientados nos resultados a alcançar. Por vezes limitados nos seus recursos institucionais decorrentes de incertezas políticas e desinvestimentos públicos orçamentais, o cansaço, a indefinição e instabilidade das carreiras profissionais nunca os fez desistir.

Numa perspetiva de prevenção de Burnout, capacitação profissional, reforço de parcerias institucionais e ainda, aproximação à comunidade em geral, promoveram-se esforços acrescidos, que, aliados à inovação social resultaram em ações diversas, entretanto constituídas como boas práticas e já disseminadas em várias CDT do Território nacional.

Falamos da realização de Congressos em parecerias com parceiros institucionais, realização de Workshops em parceria com a Universidades. Elaboração de Newsletter com objetivos de retorno de informação do trabalho desenvolvido e partilha de resultados, fruto do trabalho conjunto com tantos outros profissionais. Ações de grupo com indiciados sobre riscos e consequências sobre SPA. Ações de sensibilização a comunidades escolares. Sessões de autoformação e brainstorming entre os colaboradores. Realização de estágios curriculares e académicos permitindo a troca de conhecimentos e experiências aproximando o conhecimento científico à perspetiva empírica das CDT.



Neste início de século, a globalização e a internet são também responsáveis pela reconfiguração dos mercados mundiais de drogas e novas dependências. Constituindo-se como novas fontes de oferta de SPA, determinam novas rotas de tráfico, novos padrões de consumo e a divulgação de novas substâncias psicoativas, o que, por consequência, determina novos desafios no controlo desta utilização.

A proliferação de novas substâncias psicoativas tornou-se num fenómeno europeu alarmante, amplamente noticiado e de clara ameaça à saúde pública (não só pela sua fácil acessibilidade, mas também pela divulgação desde a conceção à comercialização). Como bem sabemos, todas as semanas surgem novas substâncias, cujos riscos e efeitos são ainda desconhecidos.

O fenómeno das novas tecnologias veio redefinir o tempo passado em família, levanta questões reflexivas não apenas sobre a centralidade desta utilização no seio familiar, mas também, sobre os perigos decorrentes da falta de controlo parental, nomeadamente o perigo do uso indevido ou de adições à internet e ao jogo patológico.

Sabemos que o tratamento das dependências sem substância não se afigura mais fácil de tratar do que as restantes conhecidas toxicodependências. A utilização da internet ou o jogo patológico podem ser anónimos, sem controlo social e/ou parental, pelo que, urge sensibilizar e informar pais e filhos, desenvolvendo intervenções adequadas e articuladas quer com a prevenção, quer com o tratamento.

Temos também vindo a verificar um crescente protagonismo dos jovens nas sociedades modernas e os estímulos de mercado da indústria do lazer estão atentos a esta realidade. Multiplicaram-se contextos recreativos, os quais gozam de grande aceitação social e os padrões de consumo têm vindo a sofrer alterações.

Promovendo-se uma cultura de prazer imediato, vamos assistindo a uma maior aceitação e permissividade do consumo de SPA, com base em mitos e falsos preconceitos, nomeadamente distinções entre drogas leves e drogas duras, inocuidade das substâncias e desconhecimento dos critérios de dependência.

Neste Encontro procuramos renovar a motivação nesta etapa de afirmação e de novos desafios e a adoção de novas e melhores formas de intervenção. Perspetivamos a consolidação da dissuasão mantendo o nosso foco de intervenção centrado no indivíduo e na relação que este estabelece com as substâncias, mas atentos aos novos contextos recreativos de consumo, novas SPA, novas dependências que apesar de não constituírem o foco de intervenção em dissuasão, são tidas como práticas diárias das CDT.

Tem sido um processo de contínuo crescimento. Tendo como princípio a qualidade dos serviços prestados, fomentaram-se parcerias formais e informais que promovessem respostas de intervenção social e de proximidade. Mas outras há ainda por estabelecer, nomeadamente as que possibilitem a celeridade e exequibilidade das sanções, e, portanto, a potenciação dos respetivos efeitos dissuasores.

Sem perdermos a nossa qualidade distintiva reconhecida internacionalmente, procuramos a afirmação e a sustentabilidade da dissuasão neste modelo de respostas integradas, escutando atentamente os utentes (nas suas necessidades e idiossincrasias), reforçando e capacitando os profissionais das equipas das CDT, demonstrando flexibilidade, adaptabilidade e inovação num mundo em rápida mudança, perspetivando um futuro de estratégias e intervenções articuladas, integradas e concertadas por via do envolvimento entre especialistas, investigadores e decisores políticos.

Segundo o Plano Nacional para a Redução dos comportamentos aditivos e das dependências “o interesse internacional em conhecer e avaliar o modelo português tem-se mantido no tempo e constitui-se como um reforço e reconhecimento de que Portugal tem percorrido um caminho inovador, eficaz e adequado para fazer face a esta problemática, ao qual importa dar continuidade e aperfeiçoar”.

   
 












quinta-feira, 6 de setembro de 2018

FAMÍLIAS DE TOXICODEPENDENTES: PERFIL OU REDUNDÂNCIAS?




Poder-se-á afirmar que as famílias com elemento(s) toxicodependente(s) apresentam características, dinâmicas e padrões de funcionamento diferentes de outras famílias?

Bergeret deu uma primeira resposta em 1990 referindo que “as investigações epidemiológicas levadas a cabo sobre as famílias dos toxicómanos, assim como os estudos conduzidos a partir das práticas psicoterapêuticas, mostram que não existe nenhum modelo específico de adolescente nem nenhum modelo de situação relacional familiar que possa ser definido como modelo próprio da toxicomania”

Efetivamente, toda a sistematização realizada neste domínio não nos autoriza a falar de um perfil do toxicodependente ou da sua família. Não podemos afirmar que existe uma personalidade ou uma estrutura psíquica específica e tipificada que leve indubitavelmente a comportamentos aditivos, pois qualquer estrutura psicológica pode dar origem a vários tipos de dependência.

Para Madalena Alarcão, “as regularidades encontradas não nos podem fazer esquecer que a capacidade auto-organizava do sistema familiar pode configurar diversamente, em cada sistema e em tempos diferentes do mesmo sistema, o feedback proveniente do seu interior ou do exterior é resultante das suas próprias características, das vulnerabilidades e dos fatores de risco a que pode estar sujeito”.

Numa posição mais reducionista, Duncan, Stanton et al, fazem uma revisão da literatura sobre o tema e concluem que a maior parte dos trabalhos sobre toxicodependência masculina referem a existência de famílias com características idênticas, bem como Bravo et al.

Apesar de partilharmos a ideia de que não há interações específicas nestas famílias, consideramos que é possível identificar um conjunto de redundâncias que em função das suas articulações e singularidades do sistema em análise, nos podem auxiliar na tentativa de compreensão, definindo pontos de intervenção terapêutica.
Sofia Almeida
06/09/2018



A FAMÍLIA NA COMPREENSÃO DA TOXICODEPENDÊNCIA




No início do estudo da toxicodependência e das preocupações com o tratamento dos toxicodependentes, a tónica era essencialmente posta no indivíduo, na sua dimensão intrapsíquica, sendo que as perspetivas biológicas e psicológicas ocupavam grande parte da literatura sobre o assunto. Contudo, temos vindo a assistir nas últimas décadas a análises do papel determinante do sistema familiar no desencadear e na manutenção dos comportamentos aditivos, estudando as relações que o indivíduo dependente mantém com as figuras significativas (particularmente com os pais e com os pares) ”.

Com efeito, em alguns trabalhos de revisão da literatura realizados nas últimas décadas, nomeadamente Harbin e Maziar, afirma-se mesmo que são os fatores familiares os que desempenham o papel primordial na génese e desenvolvimento da toxicodependência. Ganger e Shugart consideram a toxicodependência como uma doença familiogénica que não pode ser estudada fora do contexto da unidade familiar. Também para Stanton as variáveis familiares desempenham um papel predominante na sintomatologia do toxicodependente.

Para a compreensão da importância da família na compreensão teórica e terapêutica da toxicodependência, muito contribuiu a conceptualização do conceito “sistema” baseada nas Teorias Cibernéticas e na Teoria Geral dos Sistemas que se estabeleceu a partir dos anos sessenta do século passado e que possibilitou observar e entender os fenómenos familiares e a toxicodependência sob uma nova perspetiva: uma compreensão sistémica das famílias com Paciente Identificado toxicodependente.

Tendo por base o paradigma sistémico desenvolveu-se e aperfeiçoou-se um conjunto de práticas terapêuticas designadas de Terapias Familiares, que se têm revelado de grande utilidade no âmbito da intervenção em comportamentos aditivos e dependências, alargando o leque de recursos terapêuticos e o campo de conhecimentos teóricos.
Sofia Almeida
06/09/2018

sexta-feira, 31 de agosto de 2018

REGULAÇÃO ESPACIAL EM FAMÍLIAS COM TOXICODEPENDENTES




Friedman, Utada e Morrissey, analisaram 96 famílias de toxicodependentes, utilizando o Modelo Circumplexo de Olson, e concluíram que a maior parte se tratava de famílias dispersas, o que na classificação proposta por Minuchin significa que o grau de autonomia individual é elevado e cada membro é pouco valorizado.

A família do toxicodependente facilmente se apresenta alargada, as separações são impossíveis, mesmo quando a ausência física dos seus elementos se verifica. Alguns membros parecem extremamente emaranhados, enquanto outros parecem desmembrados, sendo frequente a alternância de fases familiares que traduzem a mesma sensação (Relvas).

Para Sternschuss, Angel et al, “parece existir a necessidade de uma pessoa ausente / presente, para garantir a homeostasia do sistema, pois garante a coesão e apreensão dos retornos ou das partidas. Assim o sintoma da toxicodependência foi então escolhido porque respeita esta regra. O indivíduo fica ausente pelo consumo, apesar de estar presente no espaço físico familiar, mantendo a coesão familiar”.

Sofia Almeida
31/08/2018


PSICOPATOLOGIA NAS FAMÍLIAS DE TOXICODEPENDENTES




É frequente encontrar psicopatologia nestas famílias, mais propriamente patologias comportamentais, como o alcoolismo, o comportamento suicida ou outras desordens físicas ou mentais graves, que parecem estar presentes nestas famílias numa proporção superior à encontrada noutras famílias.

Segundo Sternschuss - Angel et al, os episódios psicopatológicos nos pais dos toxicodependentes atinge os 50%: depressão, tentativas de suicídio, alcoolismo, toxicodependência, sintomatologia neurótica, destacando-se as condutas suicidárias na família alargada e o abuso de psicotrópicos e condutas de automedicação pelos pais.

Na casuística de Sylvie e Pierre Angel, cerca de 50% das famílias tinham passado psiquiátrico. Este passado era mais no sentido da depressão e do suicídio, assim como da ingestão abusiva de psicotrópicos.

Se o pai ou a mãe consomem “drogas” é mais fácil surgir um consumo prematuro no adolescente com quem convivem e que, mal ou bem vão educando. Rosh, na sua investigação, concordante com a de Angel, e com a opinião dos terapeutas familiares, é a confirmação de que um número significativo de pais e mães de toxicómanos usam e abusam do álcool e dos psicotrópicos: 15% no caso dos pais / álcool e 29% no caso dos psicotrópicos / mães. Alguns dos toxicodependentes têm hábitos de consumo de sedativos desde a infância, naturalmente administrados pelos pais para acalmar sintomas de ansiedade.

No estudo CEPD Norte, as mães, 40,3% dos casos consideravam-se doentes e recorriam frequentemente aos serviços de saúde. Neste estudo, o autor também confirma o que na literatura é quase unânime: 36,6% dos pais apresentam hábitos alcoólicos e de consumo de psicotrópicos. As patologias comportamentais como o alcoolismo, o comportamento suicida ou outras desordens mentais ou físicas graves, parecem estar também presentes nestas famílias numa proporção superior à encontrada noutras famílias. Este tipo de comportamento pode estar presente na família de origem mas também na família alargada.

Kandel refere que há uma elevada proporção de pais toxicodependentes com problemas de álcool. Levanta-se aqui a hipótese eventual de estar o início do consumo de drogas associado aos hábitos de consumo de substâncias, nomeadamente álcool, ao nível da família e poderem estas conotarem um significado de prazer e de satisfação.

Sofia Almeida
31/08/2018

ACONTECIMENTOS TRAUMÁTICOS





Um dos aspetos que se têm vindo a evidenciar nas investigações científicas realizadas em famílias com um elemento toxicodependente, refere-se à existência de determinados acontecimentos traumáticos que estão presentes nestas famílias, nomeadamente lutos por resolver perante um membro da família perdido, seja por morte, separação ou outras perdas.

A perda de um dos progenitores por morte ou separação, é uma constatação frequente em diversas investigações (Amaral Dias; Coleman, Kaplan e Downing; Fleming; Harbin e Maziar; Stanton), assim como, a descoberta de carência de cuidados parentais muito precocemente (Harbin e Maziar) como consequência de morte ou separação física (Amaral Dias).

Manuela Fleming refere que a perda de um progenitor é um acontecimento traumático e devastador do ponto de vista do equilíbrio afetivo e emocional do ser humano, implicando disfuncionalidade no agregado familiar, carências afetivas dificilmente compensadas e ausência de modelos identificatórios, inscrevendo-se inevitavelmente esta situação num quadro de depressão, declarada ou oculta. O luto a acontecer seria reparador, mas é muitas vezes impossível por demasiado doloroso ou adiado. Segundo esta autora: “Frequentemente perdida no tempo, mas sempre atuante, a dor da perda pode então ser anestesiada ou aliviada e inevitavelmente mascarada pelo recurso à droga. A depressão que o próprio toxicodependente muitas vezes ignora ou esconde sob a aparência de uma falsa indiferença ou apatia emocional, dá então lugar ao diagnóstico de toxicodependência, culpabilizante para o próprio e para a família e fonte de estigma social.”

Fleming, Figueiredo et al, referem num estudo feito em jovens do ensino preparatório e secundário em Matosinhos, consumidores de drogas, mas não toxicodependentes, que a proporção de sujeitos que consomem droga é significativamente maior nas situações de ausência de um ou de ambos os progenitores por falecimento.
Também Rosch pôs em evidência uma distorção do anel familiar devido à separação dos pais. Segundo Amaral Dias, a distorção do anel familiar, pela morte de um dos seus elementos, parece ser decisiva quer no início quer no agravamento dos consumos.

Reilly afirma que os pais dos toxicodependentes sofreram, nas suas famílias de origem, importantes perdas emocionais por morte, divórcio, fuga, rejeição parental, negligência, hostilidade ou doença.

Este vivido do toxicodependente também se encontra frequentes vezes na história familiar da geração anterior, nas famílias de origem dos progenitores destes jovens. Os seus pais provavelmente também sofreram perdas emocionais profundas- perda física do pai ou da mãe  quer seja por morte, divórcio ou fuga), ou perda psicológica (rejeição parental, negligência, hostilidade, doença ou outra). Para além disso, os conflitos e os sentimentos associados a essas perdas nunca foram total ou adequadamente resolvidos, pelo que, por vezes as crianças destes indivíduos foram parentificadas, numa reitificação dos avós perdidos (Amaral Dias).

A estas perdas associam-se “dificuldades do exercício do papel parental por parte do progenitor sobrevivente, perturbação do processo identificatório, nomeadamente quando o sujeito é do mesmo sexo do progenitor “desaparecido”, perpetuação de um luto patológico, de dimensão individual ou até familiar” (Madalena Alarcão).

Angel e colaboradores referem ter observado uma nítida correlação entre a morte dos avós, a depressão dos pais e a toxicodependência dos jovens.

Observa-se com frequência o valor causal que o toxicodependente ou os seus familiares atribuem a este facto, de forma que por vezes bloqueia a capacidade de mobilização das potencialidades de mudança dos sistemas envolvidos.
           

Sofia Almeida
31/08/2018