A necessidade de separação e autonomização do adolescente é inerente à
fase da adolescência que atravessa e não pode ser entendida no sentido
unilateral do jovem em relação à família. Esta, como sistema global, sofre
também um processo de separação em relação ao jovem, que, em alguns casos
poderá ser angustiante.
Se o jovem sofre uma crise na adolescência, a família também sentirá
essa crise de forma profunda e perturbadora, no sentido em que se irá
operacionalizar uma reorganização dos papeis, das tarefas, dos subsistemas
parental e filial, relevando a comunicação como veiculo promotor dessa
reorganização e autonomização.
De facto, em muitos casos é grande a dificuldade de separação-individualização,
mostrando a família incapacidade em ajudar o adolescente a adquirir normas e
atitudes adultas e a serem independentes.
Quantas vezes a família gera um escudo de proteção à volta da criança:
“Tive uma infância feliz”; “Os meus pais, os meus avós, davam-me tudo o que
desejava e sem ter de pedir”; “Sempre fui muito mimado e admirado, não percebo
como é que isto agora me pode acontecer a mim!”. Contudo, segundo Fleming, este
escudo de proteção evita, por um lado, os perigos do exterior, mas também cria
um meio artificial onde a criança não aprende a lidar com a situação de perigo
ou de conflito.
Para a mesma autora: “também o excesso de apreciação pode gerar um
escudo narcísico que não favorece o desenvolvimento dum narcisismo normal, pois
sendo sistematicamente elogiadas e admiradas, mesmo quando cometem faltas
graves, estas crianças, a quem o espelho do olhar do outro sempre devolveu uma
imagem de ser grandioso, desenvolveram uma autoadmiração acrítica que se
transforma numa fonte exclusiva de autoestima”.
Estas crianças, quando não expostas a fatores de risco, mais tarde, na
sequência de algo que não correu bem, poderão desenvolver problemas de comportamento,
nomeadamente os aditivos. Assim, o encontro e a descoberta dos efeitos
poderosos e mágicos das substâncias psicoativas podem vir a satisfazer de
imediato o desequilíbrio e reparar o dano narcísico.
Noone e Reddig vão mesmo ao ponto
de afirmar que a dependência psicológica da família de origem é prévia à
dependência das drogas: “Qualquer que seja a idade e o facto do
toxicodependente viver ou não com a família de origem, as condutas toxicómanas
estão em relação direta com a dinâmica familiar e com a alternativa de
separação e individuação”.
Normalmente um dos progenitores (habitualmente a mãe) está fortemente
envolvida enquanto que o outro progenitor é frequentemente descrito como
violento, fraco e ausente física ou afetivamente. Vaillant, mostrou que aos trinta anos 59% dos toxicómanos ainda
vive com as mães, que, por sua vez, parecem sentir necessidade de prolongar
durante muito tempo as relações fusionais que mantém com os seus filhos.
Apresentam-se como muito próximas dos filhos, frequentemente muito permissivas,
e quantas vezes verbalizam a sua preferência por esse filho, aquele a quem,
segundo dizem, dedicaram mais atenção.
A manutenção deste tipo de relações permite assegurar o equilíbrio
narcísico da mãe e do filho. O adolescente habitua-se a gratificar as
necessidades emocionais da sua mãe que atrase inconscientemente a maturação do
toxicómano, infantilizando-o, uma vez que este crescimento constitui uma ameaça
para esta relação.
A proximidade desta relação mãe-filho coloca o pai na posição
periférica: “a mãe defende o filho contra os ataques eventuais do pai”, Prieur in Urbano. Segundo Dias Cordeiro:
“caberia ao pai a mediação da relação mãe-filho, mas dada a ausência ou
demissão do seu papel na família, a fraqueza da sua autoridade estabelece sim,
uma relação de agressividade ou desqualificação, não permitindo um processo
desenvolvimental normal através do luto pelos imagos parentais idealizados e
substituindo-os por imagens reais”.
Duncan, Stanton et
al, fazem uma revisão da literatura sobre o tema e concluem que a maior
parte dos trabalhos sobre toxicomania masculina referem a existência de
famílias em que a mãe está envolvida com o jovem numa relação hiperprotetora,
permissiva e aglutinada, enquanto que o pai estaria ausente, seria fraco e não
envolvido na relação com o filho.
Stanton defende que o sintoma droga funciona como uma resolução paradoxal do
conflito, servido de mediadora do conflito interno entre o desejo de autonomia
e a manutenção do vínculo de dependência do adolescente.
Sofia Almeida