terça-feira, 26 de novembro de 2019




ENCONTRO “DESCRIMINALIZAÇÃO – 15 ANOS DEPOIS”



  
AUDITÓRIO DA BIBLIOTECA MUNICIPAL ALMEIDA GARRETT
PORTO
8 de novembro de 2016


  


Perspetivar o futuro das CDT implica necessariamente analisarmos o percurso da humanidade na utilização de SPA. Compreendermos contextos passados, avaliarmos estratégias presentes e desenvolvermos capacidade de traçarmos futuros possíveis e desejáveis no âmbito dos comportamentos aditivos e dependências.

O uso de SPA existiu em cada tempo histórico-cultural. Utilizadas em rituais sagrados, como elementos de prestígio, em mecanismos de integração social, ou em meros contextos recreativos, têm sido diversas as representações sociais do uso de SPA. Apesar da sua intensidade ter sido variada, converteu-se muitas vezes em dependências entre a humanidade e as substâncias.

No ocidente não há registo significativo de consumo de drogas até aos anos sessenta. Mas com o aumento do crime, do terrorismo, do tráfico, com a guerra do Vietnam e o conhecido movimento Hippie, o consumo alastrou rapidamente a todas as regiões e faixas etárias.

Nos anos oitenta vulgarizou-se o “drogar para não sentir” e registou-se aumento de consumo de opiáceos sobretudo Ásia Ocidental, Leste Europeu e EUA. Também tranquilizantes, benzodiazepinas e estimulantes registaram expansão sem precedentes, sobretudo na Europa e nos EUA.

Em Portugal, no final da década de noventa, a toxicodependência era tida como a principal preocupação dos portugueses. Estimava-se que 1% da população portuguesa eram utilizadores dependentes de heroína.

E na sua missão de promoção de saúde pública, o governo português, perante a gravidade do fenómeno aprovou a Estratégia Nacional de Luta contra a Droga, implementando respostas integradas de prevenção, de dissuasão, de redução de riscos e minimização de danos, de tratamento e reinserção.

A descriminalização em Portugal com a missão de promover a dissuasão do consumo de substâncias psicoativas e a diminuição das dependências, apresenta resultados positivos, na saúde dos consumidores, na redução da sua estigmatização criminal e aproximação aos cuidados de saúde através de um modelo de intervenção integrada.

Ao longo destes últimos 15 anos de intervenção na dissuasão, verificámos que perfil do consumidor, bem como os seus padrões de consumo têm vindo a mudar, nesta sociedade que caminha no sentido da preocupação com a longevidade, saúde e bem-estar.

Se nos primeiros anos, priorizávamos a intervenção em toxicodependentes, com consumos problemáticos, indivíduos estigmatizados e desestruturados, procurando integrá-los na rede de cuidados de saúde. Mais recentemente, a intervenção tem vindo a focar-se maioritariamente em utilizadores de cannabis, socialmente mais integrados e mais informados sobre as substâncias, procurando efeitos mais potentes e menores riscos associados, cujos encaminhamentos para acompanhamentos especializados superam os motivados pelo uso de heroína e cocaína.

  


O consenso internacional entre países que promovem execuções de condenados por crimes de droga e os países defensores que de políticas de drogas consistentes com a declaração universal dos direitos humanos parece difícil de alcançar.

Mas tem existido uma evolução na abordagem destas temáticas entre os estados membros das Nações Unidas, em que a experiência da descriminalização é tida como um modelo de boas práticas em Portugal desde 2001.

Portugal promoveu um movimento global de reflexão, de debate, de partilha, disseminando uma nova abordagem centralizada nos direitos humanos, mudando a questão da toxicodependência do foro criminal para um problema de saúde pública.


Na verdade, sem a pretensão de pensarmos que existirá um modelo único de intervenção para países com realidades geopolíticas distintas e algumas até contraditórias, a descriminalização contribuiu para a disseminação da perceção da priorização da redução da procura, ao invés da concentração apenas na redução da oferta.

  
                                              

  
O compromisso entre a experiência adquirida ao longo dos 15 anos de descriminalização e avaliação sistemática dos resultados alcançados, quer através da colaboração regular com investigações nacionais, quer estudos internacionais, tem resultado em evidências científicas sobre o impacto das intervenções na área da dissuasão.

E as evidências científicas demonstram que descriminalizar o consumo além de não contribuir para qualquer aumento de utilização de estupefacientes, contribui para a melhoria da saúde e bem-estar, integrando os utilizadores na rede de referenciação dos cuidados de saúde, promovendo assim direitos universais de tratamento.

Entendemos que a transparência dos resultados alcançados, que sempre caracterizou a intervenção das CDT, contribui para a perceção do valor social acrescentado da dissuasão e respetivo reconhecimento da sociedade no que respeita à promoção da saúde pública.

Têm-se promovido discussões públicas alargadas pelos diferentes países com paradigmas de intervenção bastante distintos, consciencializando profissionais de saúde para intervenções integradas, promovendo a sustentabilidade política das intervenções, delineando tendências, apoiando tomadas de decisão informadas e perspetivando caminhos futuros de consolidação e afirmação.




Centrados em princípios humanistas, o foco de ação das CDT é o indivíduo e a relação que este estabelece com a substância, respeitando a sua individualidade, através de intervenções empáticas, não recriminatórias, adaptadas e centradas nas suas necessidades.

Discursos moralistas não criam ressonâncias, não permitem meta comunicações sobre comportamentos aditivos e dependências. Se queremos mudar atitudes ou mesmo filosofias de vida baseadas na longevidade, saúde e bem-estar, a intervenção de dissuasão deve ser encarada como uma oportunidade de aprendizagens e transformação diferenciadas para projetos de vida autónomos.

Partindo da premissa que a liberdade de escolha está diretamente relacionada com a responsabilidade individual, as CDT promovem um momento de paragem, de reflexão, como que um expansor de consciências, apresentando ao indiciado fortes argumentos de dissuasão de utilização SPA e de comportamentos aditivos para tomadas de decisão informadas e escolhas assertivas contribuindo para cidadãos mais capacitados com escolhas mais saudáveis.

Numa compreensão holística dos indivíduos, procuramos refletir sobre comportamentos aditivos através de escutas ativas e informações especializadas gera ações conscientes e de qualidade, consentâneas com o propósito interno de cada um, ajudando-os a perceber e potencializar as suas competências pessoais e sociais.

O perfil do consumidor e os padrões de consumos mudaram nestes últimos 15 anos de descriminalização. As gerações atuais estão cada vez mais informadas e dotadas de competências, não obstante, encontrarmos ainda com frequência, jovens pouco reflexivos quanto às suas potencialidades pessoais para alcançar os seus objetivos e determinar qual o caminho a seguir.

Sendo a descriminalização em Portugal uma experiência evolutiva e adaptativa, os procedimentos técnicos adotados têm vindo a alinhar-se com abordagens de intervenção padronizadas, graças a documentos elaborados e disseminados pelo SICAD, tais como, as Linhas de Orientação Para a Intervenção em Dissuasão, conhecidas como as LOID, e, ainda, a Harmonização de procedimentos jurídicos nas CDT”, resultando claro, em intervenções transformadoras e potencializadoras de mudança. 

O sentimento de missão de dissuasão dos comportamentos aditivos e dependências e os resultados positivos entretanto alcançados reforçam a dedicação diária das equipas de profissionais altamente qualificados e orientados nos resultados a alcançar. Por vezes limitados nos seus recursos institucionais decorrentes de incertezas políticas e desinvestimentos públicos orçamentais, o cansaço, a indefinição e instabilidade das carreiras profissionais nunca os fez desistir.

Numa perspetiva de prevenção de Burnout, capacitação profissional, reforço de parcerias institucionais e ainda, aproximação à comunidade em geral, promoveram-se esforços acrescidos, que, aliados à inovação social resultaram em ações diversas, entretanto constituídas como boas práticas e já disseminadas em várias CDT do Território nacional.

Falamos da realização de Congressos em parecerias com parceiros institucionais, realização de Workshops em parceria com a Universidades. Elaboração de Newsletter com objetivos de retorno de informação do trabalho desenvolvido e partilha de resultados, fruto do trabalho conjunto com tantos outros profissionais. Ações de grupo com indiciados sobre riscos e consequências sobre SPA. Ações de sensibilização a comunidades escolares. Sessões de autoformação e brainstorming entre os colaboradores. Realização de estágios curriculares e académicos permitindo a troca de conhecimentos e experiências aproximando o conhecimento científico à perspetiva empírica das CDT.



Neste início de século, a globalização e a internet são também responsáveis pela reconfiguração dos mercados mundiais de drogas e novas dependências. Constituindo-se como novas fontes de oferta de SPA, determinam novas rotas de tráfico, novos padrões de consumo e a divulgação de novas substâncias psicoativas, o que, por consequência, determina novos desafios no controlo desta utilização.

A proliferação de novas substâncias psicoativas tornou-se num fenómeno europeu alarmante, amplamente noticiado e de clara ameaça à saúde pública (não só pela sua fácil acessibilidade, mas também pela divulgação desde a conceção à comercialização). Como bem sabemos, todas as semanas surgem novas substâncias, cujos riscos e efeitos são ainda desconhecidos.

O fenómeno das novas tecnologias veio redefinir o tempo passado em família, levanta questões reflexivas não apenas sobre a centralidade desta utilização no seio familiar, mas também, sobre os perigos decorrentes da falta de controlo parental, nomeadamente o perigo do uso indevido ou de adições à internet e ao jogo patológico.

Sabemos que o tratamento das dependências sem substância não se afigura mais fácil de tratar do que as restantes conhecidas toxicodependências. A utilização da internet ou o jogo patológico podem ser anónimos, sem controlo social e/ou parental, pelo que, urge sensibilizar e informar pais e filhos, desenvolvendo intervenções adequadas e articuladas quer com a prevenção, quer com o tratamento.

Temos também vindo a verificar um crescente protagonismo dos jovens nas sociedades modernas e os estímulos de mercado da indústria do lazer estão atentos a esta realidade. Multiplicaram-se contextos recreativos, os quais gozam de grande aceitação social e os padrões de consumo têm vindo a sofrer alterações.

Promovendo-se uma cultura de prazer imediato, vamos assistindo a uma maior aceitação e permissividade do consumo de SPA, com base em mitos e falsos preconceitos, nomeadamente distinções entre drogas leves e drogas duras, inocuidade das substâncias e desconhecimento dos critérios de dependência.

Neste Encontro procuramos renovar a motivação nesta etapa de afirmação e de novos desafios e a adoção de novas e melhores formas de intervenção. Perspetivamos a consolidação da dissuasão mantendo o nosso foco de intervenção centrado no indivíduo e na relação que este estabelece com as substâncias, mas atentos aos novos contextos recreativos de consumo, novas SPA, novas dependências que apesar de não constituírem o foco de intervenção em dissuasão, são tidas como práticas diárias das CDT.

Tem sido um processo de contínuo crescimento. Tendo como princípio a qualidade dos serviços prestados, fomentaram-se parcerias formais e informais que promovessem respostas de intervenção social e de proximidade. Mas outras há ainda por estabelecer, nomeadamente as que possibilitem a celeridade e exequibilidade das sanções, e, portanto, a potenciação dos respetivos efeitos dissuasores.

Sem perdermos a nossa qualidade distintiva reconhecida internacionalmente, procuramos a afirmação e a sustentabilidade da dissuasão neste modelo de respostas integradas, escutando atentamente os utentes (nas suas necessidades e idiossincrasias), reforçando e capacitando os profissionais das equipas das CDT, demonstrando flexibilidade, adaptabilidade e inovação num mundo em rápida mudança, perspetivando um futuro de estratégias e intervenções articuladas, integradas e concertadas por via do envolvimento entre especialistas, investigadores e decisores políticos.

Segundo o Plano Nacional para a Redução dos comportamentos aditivos e das dependências “o interesse internacional em conhecer e avaliar o modelo português tem-se mantido no tempo e constitui-se como um reforço e reconhecimento de que Portugal tem percorrido um caminho inovador, eficaz e adequado para fazer face a esta problemática, ao qual importa dar continuidade e aperfeiçoar”.