ENCONTRO “DESCRIMINALIZAÇÃO – 15 ANOS DEPOIS”
AUDITÓRIO DA BIBLIOTECA MUNICIPAL ALMEIDA
GARRETT
PORTO
8 de novembro de 2016
Perspetivar o futuro das CDT
implica necessariamente analisarmos o percurso da humanidade na utilização de
SPA. Compreendermos contextos passados, avaliarmos estratégias presentes e
desenvolvermos capacidade de traçarmos futuros possíveis e desejáveis no âmbito
dos comportamentos aditivos e dependências.
O uso de SPA existiu em cada
tempo histórico-cultural. Utilizadas em rituais sagrados, como elementos de
prestígio, em mecanismos de integração social, ou em meros contextos
recreativos, têm sido diversas as representações sociais do uso de SPA. Apesar
da sua intensidade ter sido variada, converteu-se muitas vezes em dependências
entre a humanidade e as substâncias.
No ocidente não há registo
significativo de consumo de drogas até aos anos sessenta. Mas com o aumento do
crime, do terrorismo, do tráfico, com a guerra do Vietnam e o conhecido
movimento Hippie, o consumo alastrou rapidamente
a todas as regiões e faixas etárias.
Nos anos oitenta vulgarizou-se o
“drogar para não sentir” e registou-se aumento de consumo de opiáceos sobretudo
Ásia Ocidental, Leste Europeu e EUA. Também tranquilizantes, benzodiazepinas e estimulantes
registaram expansão sem precedentes, sobretudo na Europa e nos EUA.
Em Portugal, no final da década
de noventa, a toxicodependência era tida como a principal preocupação dos
portugueses. Estimava-se que 1% da população portuguesa eram utilizadores
dependentes de heroína.
E na sua missão de promoção de
saúde pública, o governo português, perante a gravidade do fenómeno aprovou a
Estratégia Nacional de Luta contra a Droga, implementando respostas integradas
de prevenção, de dissuasão, de redução de riscos e minimização de danos, de
tratamento e reinserção.
A descriminalização em Portugal
com a missão de promover a dissuasão do consumo de substâncias psicoativas e a
diminuição das dependências, apresenta resultados positivos, na saúde dos consumidores,
na redução da sua estigmatização criminal e aproximação aos cuidados de saúde
através de um modelo de intervenção integrada.
Ao longo destes últimos 15 anos
de intervenção na dissuasão, verificámos que perfil do consumidor, bem como os
seus padrões de consumo têm vindo a mudar, nesta sociedade que caminha no
sentido da preocupação com a longevidade, saúde e bem-estar.
Se nos primeiros anos, priorizávamos
a intervenção em toxicodependentes, com consumos problemáticos, indivíduos estigmatizados
e desestruturados, procurando integrá-los na rede de cuidados de saúde. Mais
recentemente, a intervenção tem vindo a focar-se maioritariamente em
utilizadores de cannabis, socialmente mais integrados e mais informados sobre
as substâncias, procurando efeitos mais potentes e menores riscos associados,
cujos encaminhamentos para acompanhamentos especializados superam os motivados
pelo uso de heroína e cocaína.
O consenso internacional entre
países que promovem execuções de condenados por crimes de droga e os países
defensores que de políticas de drogas consistentes com a declaração universal
dos direitos humanos parece difícil de alcançar.
Mas tem existido uma evolução na
abordagem destas temáticas entre os estados membros das Nações Unidas, em que a
experiência da descriminalização é tida como um modelo de boas práticas em
Portugal desde 2001.
Portugal promoveu um movimento
global de reflexão, de debate, de partilha, disseminando uma nova abordagem
centralizada nos direitos humanos, mudando a questão da toxicodependência do
foro criminal para um problema de saúde pública.
Na verdade, sem a pretensão de
pensarmos que existirá um modelo único de intervenção para países com
realidades geopolíticas distintas e algumas até contraditórias, a
descriminalização contribuiu para a disseminação da perceção da priorização da
redução da procura, ao invés da concentração apenas na redução da oferta.
O compromisso entre a experiência
adquirida ao longo dos 15 anos de descriminalização e avaliação sistemática dos
resultados alcançados, quer através da colaboração regular com investigações nacionais,
quer estudos internacionais, tem resultado em evidências científicas sobre o
impacto das intervenções na área da dissuasão.
E as evidências científicas demonstram que descriminalizar o
consumo além de não contribuir para qualquer aumento de utilização de
estupefacientes, contribui para a melhoria da saúde e bem-estar, integrando os
utilizadores na rede de referenciação dos cuidados de saúde, promovendo assim direitos
universais de tratamento.
Entendemos que a transparência
dos resultados alcançados, que sempre caracterizou a intervenção das CDT, contribui
para a perceção do valor social acrescentado da dissuasão e respetivo reconhecimento
da sociedade no que respeita à promoção da saúde pública.
Têm-se promovido discussões
públicas alargadas pelos diferentes países com paradigmas de intervenção
bastante distintos, consciencializando profissionais de saúde para intervenções
integradas, promovendo a sustentabilidade política das intervenções, delineando
tendências, apoiando tomadas de decisão informadas e perspetivando caminhos
futuros de consolidação e afirmação.
Centrados em princípios
humanistas, o foco de ação das CDT é o indivíduo e a relação que este
estabelece com a substância, respeitando a sua individualidade, através de
intervenções empáticas, não recriminatórias, adaptadas e centradas nas suas
necessidades.
Discursos moralistas não criam
ressonâncias, não permitem meta comunicações sobre comportamentos aditivos e
dependências. Se queremos mudar atitudes ou mesmo filosofias de vida baseadas
na longevidade, saúde e bem-estar, a intervenção de dissuasão deve ser encarada
como uma oportunidade de aprendizagens e transformação diferenciadas para
projetos de vida autónomos.
Partindo da premissa que a
liberdade de escolha está diretamente relacionada com a responsabilidade
individual, as CDT promovem um momento de paragem, de reflexão, como que um expansor
de consciências, apresentando ao indiciado fortes argumentos de dissuasão de
utilização SPA e de comportamentos aditivos para tomadas de decisão informadas
e escolhas assertivas contribuindo para cidadãos mais capacitados com escolhas
mais saudáveis.
Numa compreensão holística dos
indivíduos, procuramos refletir sobre comportamentos aditivos através de
escutas ativas e informações especializadas gera ações conscientes e de
qualidade, consentâneas com o propósito interno de cada um, ajudando-os a
perceber e potencializar as suas competências pessoais e sociais.
O perfil do consumidor e os
padrões de consumos mudaram nestes últimos 15 anos de descriminalização. As gerações
atuais estão cada vez mais informadas e dotadas de competências, não obstante,
encontrarmos ainda com frequência, jovens pouco reflexivos quanto às suas
potencialidades pessoais para alcançar os seus objetivos e determinar qual o
caminho a seguir.
Sendo a descriminalização em
Portugal uma experiência evolutiva e adaptativa, os procedimentos técnicos
adotados têm vindo a alinhar-se com abordagens de intervenção padronizadas,
graças a documentos elaborados e disseminados pelo SICAD, tais como, as Linhas
de Orientação Para a Intervenção em Dissuasão, conhecidas como as LOID, e,
ainda, a Harmonização de procedimentos jurídicos nas CDT”, resultando claro, em
intervenções transformadoras e potencializadoras de mudança.
O sentimento de missão de
dissuasão dos comportamentos aditivos e dependências e os resultados positivos entretanto
alcançados reforçam a dedicação diária das equipas de profissionais altamente
qualificados e orientados nos resultados a alcançar. Por vezes limitados nos
seus recursos institucionais decorrentes de incertezas políticas e desinvestimentos
públicos orçamentais, o cansaço, a indefinição e instabilidade das carreiras
profissionais nunca os fez desistir.
Numa perspetiva de prevenção de
Burnout, capacitação profissional, reforço de parcerias institucionais e ainda,
aproximação à comunidade em geral, promoveram-se esforços acrescidos, que,
aliados à inovação social resultaram em ações diversas, entretanto constituídas
como boas práticas e já disseminadas em várias CDT do Território nacional.
Falamos da realização de
Congressos em parecerias com parceiros institucionais, realização de Workshops
em parceria com a Universidades. Elaboração de Newsletter com objetivos de
retorno de informação do trabalho desenvolvido e partilha de resultados, fruto
do trabalho conjunto com tantos outros profissionais. Ações de grupo com
indiciados sobre riscos e consequências sobre SPA. Ações de sensibilização a
comunidades escolares. Sessões de autoformação e brainstorming entre os
colaboradores. Realização de estágios curriculares e académicos permitindo a
troca de conhecimentos e experiências aproximando o conhecimento científico à
perspetiva empírica das CDT.
Neste início de século, a
globalização e a internet são também responsáveis pela reconfiguração dos
mercados mundiais de drogas e novas dependências. Constituindo-se como novas
fontes de oferta de SPA, determinam novas rotas de tráfico, novos padrões de
consumo e a divulgação de novas substâncias psicoativas, o que, por
consequência, determina novos desafios no controlo desta utilização.
A proliferação de novas
substâncias psicoativas tornou-se num fenómeno europeu alarmante, amplamente
noticiado e de clara ameaça à saúde pública (não só pela sua fácil
acessibilidade, mas também pela divulgação desde a conceção à comercialização).
Como bem sabemos, todas as semanas surgem novas substâncias, cujos riscos e
efeitos são ainda desconhecidos.
O fenómeno das novas tecnologias
veio redefinir o tempo passado em família, levanta questões reflexivas não
apenas sobre a centralidade desta utilização no seio familiar, mas também,
sobre os perigos decorrentes da falta de controlo parental, nomeadamente o
perigo do uso indevido ou de adições à internet e ao jogo patológico.
Sabemos que o tratamento das
dependências sem substância não se afigura mais fácil de tratar do que as
restantes conhecidas toxicodependências. A utilização da internet ou o jogo
patológico podem ser anónimos, sem controlo social e/ou parental, pelo que,
urge sensibilizar e informar pais e filhos, desenvolvendo intervenções
adequadas e articuladas quer com a prevenção, quer com o tratamento.
Temos também vindo a verificar um
crescente protagonismo dos jovens nas sociedades modernas e os estímulos de
mercado da indústria do lazer estão atentos a esta realidade. Multiplicaram-se
contextos recreativos, os quais gozam de grande aceitação social e os padrões
de consumo têm vindo a sofrer alterações.
Promovendo-se uma cultura de
prazer imediato, vamos assistindo a uma maior aceitação e permissividade do
consumo de SPA, com base em mitos e falsos preconceitos, nomeadamente
distinções entre drogas leves e drogas duras, inocuidade das substâncias e
desconhecimento dos critérios de dependência.
Neste Encontro procuramos renovar
a motivação nesta etapa de afirmação e de novos desafios e a adoção de novas e
melhores formas de intervenção. Perspetivamos a consolidação da dissuasão
mantendo o nosso foco de intervenção centrado no indivíduo e na relação que
este estabelece com as substâncias, mas atentos aos novos contextos recreativos
de consumo, novas SPA, novas dependências que apesar de não constituírem o foco
de intervenção em dissuasão, são tidas como práticas diárias das CDT.
Tem sido um processo de contínuo
crescimento. Tendo como princípio a qualidade dos serviços prestados, fomentaram-se
parcerias formais e informais que promovessem respostas de intervenção social e
de proximidade. Mas outras há ainda por estabelecer, nomeadamente as que
possibilitem a celeridade e exequibilidade das sanções, e, portanto, a
potenciação dos respetivos efeitos dissuasores.
Sem perdermos a nossa qualidade
distintiva reconhecida internacionalmente, procuramos a afirmação e a
sustentabilidade da dissuasão neste modelo de respostas integradas, escutando
atentamente os utentes (nas suas necessidades e idiossincrasias), reforçando e
capacitando os profissionais das equipas das CDT, demonstrando flexibilidade,
adaptabilidade e inovação num mundo em rápida mudança, perspetivando um futuro
de estratégias e intervenções articuladas, integradas e concertadas por via do
envolvimento entre especialistas, investigadores e decisores políticos.
Segundo o Plano Nacional para a
Redução dos comportamentos aditivos e das dependências “o interesse
internacional em conhecer e avaliar o modelo português tem-se mantido no tempo
e constitui-se como um reforço e reconhecimento de que Portugal tem percorrido
um caminho inovador, eficaz e adequado para fazer face a esta problemática, ao
qual importa dar continuidade e aperfeiçoar”.