A família é um grupo institucionalizado, relativamente
estável, e que constitui uma importante base de vida social. Pensamos na
família como o lugar onde naturalmente nascemos, crescemos e morremos, ainda
que, ao longo desse percurso possamos ter mais do que uma família.
A família é um espaço
privilegiado de vivências de relações afetivas profundas, tais como, a
filiação, a fraternidade, o amor e a sexualidade e que vai dando corpo ao
sentimento de sermos quem somos e de pertencermos àquela família e não a outra
família qualquer.
No modelo sistémico, a família é
um sistema aberto que deve ser observado como um todo, na sua interação, e
desenvolvimento. É compreendida como uma unidade total de indivíduos, num
espaço e num tempo determinados. O comportamento de um dos membros é
indissociável do comportamento dos restantes e o que lhe acontece afeta toda a
família no seu conjunto ao nível individual e ao nível das relações do sistema.
Assim, é importante analisarmos o
comportamento individual, mas no contexto em que o mesmo ocorre, passando o
foco da análise a ser necessariamente sistémico. O indivíduo deixa de ser visto
como a causa e a explicação do seu problema, passando à família a
responsabilidade explicativa do disfuncionamento observado.
A família é constituída pelo menos por quatro
sub-sistemas: o individual, o conjugal, o parental e o fraternal. O que
delimita estes sub-sistemas são os papeis e funções, as normas e os estatutos.
Ao desempenharem diferentes
papéis, os seus elementos participam e pertencem a diferentes sub-sistemas,
pelo que as fronteiras destes são permeáveis, pois permitem a passagem
seletiva da informação. A compreensão de cada sistema requer o conhecimento
dos contextos em que participa, o que obriga à análise das relações horizontais
(dentro do mesmo sub-sistema) e das relações verticais (entre sistemas) –
hierarquia sistémica.
O sistema familiar tem uma
propriedade de auto-organização, que lhe fornece autonomia e capacidade de
decisão. Enquanto sistema aberto: a família recebe do exterior um conjunto de
influencias ao mesmo tempo que influência o exterior. Porém, na sua evolução, a
família vai regulando esta abertura para o exterior, ora fechando-se ora abrindo-se,
realizando movimentos centrípetos e centrífugos de acordo com as suas
necessidades e as suas características.
Portanto, o sistema familiar é
autónomo na gestão/regulação da informação recebida, pois é informacionalmente aberto
e organizacionalmente fechado. Cria as suas próprias finalidades integrando as
informações que recebe. O crivo não é na chegada da informação interna ou
externa, mas o que acontece é que é capaz de autónoma e espontaneamente,
modificar a sua estrutura, de forma a criar as condições à sua sobrevivência ou
então permanecer idêntica.
A organização reporta-se ao
conjunto de relações que constituem o edifício familiar nos seus componentes
básicos: para utilizarmos uma metáfora dizemos que a organização engloba os
alicerces (família de origem), os andares (família nuclear e seus subsistemas)
e o telhado (finalidade da família nuclear); assim como o conjunto de valores
estabelecidos entre estes componentes e cujo cálculo foi necessário para
estabelecer o tamanho do edifício, o tipo de materiais a utilizar na sua
construção e a orientação da casa (história familiar, mitos familiares,
segredos familiares). O espaço envolvente (ruas de acesso, parques de
estacionamento, espaços verdes, mercearia), fala-nos já das relações que a
organização familiar tem com outros sistemas.
A equifinalidade é outra das
propriedades e significa que condições iguais idênticas podem corresponder a
resultados diferentes e vice-versa dado que as interacções familiares e a sua evolução
ao longo do ciclo vital são fundamentais para o processo que se organiza em
torno de uma finalidade. Ou seja, perante a mesma situação, cada família reage
à sua maneira.
A propriedade da retroação diz
que um comportamento de um elemento não é suficiente para explicar o
comportamento de um outro elemento e vice-versa. Para compreendermos o que
acontece a um dos elementos na família é necessário termos uma visão circular e
não linear das interacções. Este comportamento tem que ser equacionado no jogo de
implicações, ações e retroações que o liga aos restantes membros.
Existem dois tipos de retroacção:
a negativa e a positiva. A retroação negativa constitui um mecanismo de
regulação que permite, de forma autocorretiva, manter o sistema estável; desta
forma, corrige os efeitos dos factores internos ao externos ao sistema, que
poderiam modificar o seu equilíbrio (como o termostato). No entanto,
estabilidade não é sinónimo de imobilidade. Os movimentos auto corretivos
implicam uma certa mudança de pequena amplitude, que não introduzem alterações
qualitativas ao sistema. É uma mudança de 1º ordem. A retroacção positiva
introduz no funcionamento do sistema a noção de uma mudança quantitativa,
possibilitando-lhe o crescimento e a criatividade, permitindo-lhe atingir um
nível superior de complexidade e está associada a mudanças de 2ª ordem.
A retroação positiva não é melhor
que a negativa ou vice-versa. É a utilização que o sistema familiar faz deles é
que as qualifica como úteis ou inúteis para os objectivos e necessidades
familiares. Há momentos em que a família, para manter a sua coerência e a sua
própria sobrevivência, tem que realizar mudanças de 1ª ordem e momentos em que
tem que desenvolver mudanças de 2ª ordem.
A estrutura é o conjunto de
relações que se estabelecem em cada etapa da vida familiar e que lhe vão
conferindo configurações particulares sem nunca lhe modificar a identidade
básica (estas configurações são desenvolvidas a partir da entrada de novos
elementos, uma criança que nasce, ou um filho adulto que sai), assim como da
transformação do jogo de alianças e de coligações existentes no sistema.
Na metáfora atrás utilizada, a
estrutura reflete-se na cor da pintura exterior e interior da casa, na
arrumação das salas, dos quartos, nos elementos de decoração. Mesmo que as
madeiras tenham sido pintadas de novo ou os sofás tenham sido trocados, a casa
continua basicamente a mesma, só mais ajustada ao tempo presente e às crises
naturais com que se foi deparando.
Mesmo que a casa se confronte com
problemas inesperados - crise acidental (abertura de uma nova janela, abertura de uma
nova rua no bairro), a casa continua a permanecer idêntica a si própria. Portanto,
a família é um sistema que muda a estrutura, mantendo a sua organização face às
situações de crise (natural ou acidental).
Mas, ao ser autónomo, o sistema
familiar não despreza a relação que mantém com os restantes sistemas. Tal como
acontece com cada sujeito, para sermos independentes temos que ser dependentes
ou seja, temos que vincular-nos. A noção de autonomia humana é complexa pois
ela depende de condições culturais e sociais. Para sermos nós próprios é necessário
que aprendamos uma língua, uma cultura, e é necessário que esta seja variada
para que possamos fazer uma escolha do stock existente e refletirmos de forma
autónoma. Esta autonomia alimenta-se de dependência. A inteligibilidade do
sistema deve ser encontrada, não apenas no próprio sistema, mas também na sua
relação com o meio ambiente.
Sofia Almeida