terça-feira, 29 de março de 2016

A FAMÍLIA COMO SISTEMA





A família é um grupo institucionalizado, relativamente estável, e que constitui uma importante base de vida social. Pensamos na família como o lugar onde naturalmente nascemos, crescemos e morremos, ainda que, ao longo desse percurso possamos ter mais do que uma família.

A família é um espaço privilegiado de vivências de relações afetivas profundas, tais como, a filiação, a fraternidade, o amor e a sexualidade e que vai dando corpo ao sentimento de sermos quem somos e de pertencermos àquela família e não a outra família qualquer.

No modelo sistémico, a família é um sistema aberto que deve ser observado como um todo, na sua interação, e desenvolvimento. É compreendida como uma unidade total de indivíduos, num espaço e num tempo determinados. O comportamento de um dos membros é indissociável do comportamento dos restantes e o que lhe acontece afeta toda a família no seu conjunto ao nível individual e ao nível das relações do sistema.

Assim, é importante analisarmos o comportamento individual, mas no contexto em que o mesmo ocorre, passando o foco da análise a ser necessariamente sistémico. O indivíduo deixa de ser visto como a causa e a explicação do seu problema, passando à família a responsabilidade explicativa do disfuncionamento observado.

A família é constituída pelo menos por quatro sub-sistemas: o individual, o conjugal, o parental e o fraternal. O que delimita estes sub-sistemas são os papeis e funções, as normas e os estatutos.

Ao desempenharem diferentes papéis, os seus elementos participam e pertencem a diferentes sub-sistemas, pelo que as fronteiras destes são permeáveis, pois permitem a passagem seletiva da informação. A compreensão de cada sistema requer o conhecimento dos contextos em que participa, o que obriga à análise das relações horizontais (dentro do mesmo sub-sistema) e das relações verticais (entre sistemas) – hierarquia sistémica.

O sistema familiar tem uma propriedade de auto-organização, que lhe fornece autonomia e capacidade de decisão. Enquanto sistema aberto: a família recebe do exterior um conjunto de influencias ao mesmo tempo que influência o exterior. Porém, na sua evolução, a família vai regulando esta abertura para o exterior, ora fechando-se ora abrindo-se, realizando movimentos centrípetos e centrífugos de acordo com as suas necessidades e as suas características.

Portanto, o sistema familiar é autónomo na gestão/regulação da informação recebida, pois é informacionalmente aberto e organizacionalmente fechado. Cria as suas próprias finalidades integrando as informações que recebe. O crivo não é na chegada da informação interna ou externa, mas o que acontece é que é capaz de autónoma e espontaneamente, modificar a sua estrutura, de forma a criar as condições à sua sobrevivência ou então permanecer idêntica.

A organização reporta-se ao conjunto de relações que constituem o edifício familiar nos seus componentes básicos: para utilizarmos uma metáfora dizemos que a organização engloba os alicerces (família de origem), os andares (família nuclear e seus subsistemas) e o telhado (finalidade da família nuclear); assim como o conjunto de valores estabelecidos entre estes componentes e cujo cálculo foi necessário para estabelecer o tamanho do edifício, o tipo de materiais a utilizar na sua construção e a orientação da casa (história familiar, mitos familiares, segredos familiares). O espaço envolvente (ruas de acesso, parques de estacionamento, espaços verdes, mercearia), fala-nos já das relações que a organização familiar tem com outros sistemas.
  
A equifinalidade é outra das propriedades e significa que condições iguais idênticas podem corresponder a resultados diferentes e vice-versa dado que as interacções familiares e a sua evolução ao longo do ciclo vital são fundamentais para o processo que se organiza em torno de uma finalidade. Ou seja, perante a mesma situação, cada família reage à sua maneira.

A propriedade da retroação diz que um comportamento de um elemento não é suficiente para explicar o comportamento de um outro elemento e vice-versa. Para compreendermos o que acontece a um dos elementos na família é necessário termos uma visão circular e não linear das interacções. Este comportamento tem que ser equacionado no jogo de implicações, ações e retroações que o liga aos restantes membros.

Existem dois tipos de retroacção: a negativa e a positiva. A retroação negativa constitui um mecanismo de regulação que permite, de forma autocorretiva, manter o sistema estável; desta forma, corrige os efeitos dos factores internos ao externos ao sistema, que poderiam modificar o seu equilíbrio (como o termostato). No entanto, estabilidade não é sinónimo de imobilidade. Os movimentos auto corretivos implicam uma certa mudança de pequena amplitude, que não introduzem alterações qualitativas ao sistema. É uma mudança de 1º ordem. A retroacção positiva introduz no funcionamento do sistema a noção de uma mudança quantitativa, possibilitando-lhe o crescimento e a criatividade, permitindo-lhe atingir um nível superior de complexidade e está associada a mudanças de 2ª ordem.

A retroação positiva não é melhor que a negativa ou vice-versa. É a utilização que o sistema familiar faz deles é que as qualifica como úteis ou inúteis para os objectivos e necessidades familiares. Há momentos em que a família, para manter a sua coerência e a sua própria sobrevivência, tem que realizar mudanças de 1ª ordem e momentos em que tem que desenvolver mudanças de 2ª ordem.

A estrutura é o conjunto de relações que se estabelecem em cada etapa da vida familiar e que lhe vão conferindo configurações particulares sem nunca lhe modificar a identidade básica (estas configurações são desenvolvidas a partir da entrada de novos elementos, uma criança que nasce, ou um filho adulto que sai), assim como da transformação do jogo de alianças e de coligações existentes no sistema.

Na metáfora atrás utilizada, a estrutura reflete-se na cor da pintura exterior e interior da casa, na arrumação das salas, dos quartos, nos elementos de decoração. Mesmo que as madeiras tenham sido pintadas de novo ou os sofás tenham sido trocados, a casa continua basicamente a mesma, só mais ajustada ao tempo presente e às crises naturais com que se foi deparando.

Mesmo que a casa se confronte com problemas inesperados - crise acidental (abertura de uma nova janela, abertura de uma nova rua no bairro), a casa continua a permanecer idêntica a si própria. Portanto, a família é um sistema que muda a estrutura, mantendo a sua organização face às situações de crise (natural ou acidental).

Mas, ao ser autónomo, o sistema familiar não despreza a relação que mantém com os restantes sistemas. Tal como acontece com cada sujeito, para sermos independentes temos que ser dependentes ou seja, temos que vincular-nos. A noção de autonomia humana é complexa pois ela depende de condições culturais e sociais. Para sermos nós próprios é necessário que aprendamos uma língua, uma cultura, e é necessário que esta seja variada para que possamos fazer uma escolha do stock existente e refletirmos de forma autónoma. Esta autonomia alimenta-se de dependência. A inteligibilidade do sistema deve ser encontrada, não apenas no próprio sistema, mas também na sua relação com o meio ambiente.



Sofia Almeida